O mundo está dividido em dois sistemas e a China é a única que responde às necessidades futuras de água.
O alerta é de Giulio Boccaletti, especialista em segurança de recursos naturais e sustentabilidade ambiental: temos de “começar a mudar o que fazemos com a água”.
Em entrevista à Renascença, este investigador do Massachusetts Institute of Technology (MIT), defende que as respostas às alterações climáticas são um problema político e o modelo ocidental tem de se adaptar rapidamente. Em última análise, sem uma resposta adequada, corremos o risco de ter um movimento migratório sem precedentes.
Boccaletti aponta ainda como podem países e populações protegerem-se de situações como a seca que atinge atualmente Portugal. No entanto, este responsável estratégico numa das maiores organizações ambientais (The Nature Conservancy), lembra que a água é um bem adquirido no Ocidente e questiona a perceção do público acerca dos riscos que enfrentamos.
Nesta entrevista, o especialista – que acaba de lançar em Portugal o livro “Água – Uma Biografia” (Ed. Desassossego), onde explica como a gestão da água moldou as sociedades ao longo da história – avisa que a atual paisagem monocromática a nível mundial não é “natural nem sustentável” e que mudanças são inevitáveis. Apesar de toda a tecnologia, nunca estivemos tão dependentes como hoje da água.
As cidades continuam tão dependentes da água como nos primórdios, quando as pessoas se fixavam onde encontravam água?
De certa forma, somos mais dependentes agora do que éramos há 10.000 anos.
Atualmente, na sociedade tecnologicamente mais avançada da história, 90% da população ainda vive a dez quilómetros de um corpo de água. A distribuição de água ainda define onde vivemos. No entanto, a nossa dependência da água é hoje maior.
Esperamos que a água saia da torneira, esperamos tomar banho todas as manhãs, esperamos atravessar um rio a caminho do trabalho. Nesse sentido, a nossa vida é muito mais dependente agora da nossa capacidade de controlar a água do que alguma vez foi.
A humanidade já controla a água? Diz a certa altura que, apesar das barragens, pontes e outras infraestruturas, este é um controlo aparente.
É verdade. Ao longo dos últimos 100 anos, criámos uma ilusão de controlo. Redesenhámos o planeta, particularmente na parte rica do mundo, na Europa, em Portugal, em Espanha, Itália, na América, no Japão. Os países ricos gastaram biliões e biliões de euros e dólares para transformar literalmente a paisagem, para não terem que se preocupar com a água, para poderem tê-la disponível sempre e em qualquer lugar, sem terem que se preocupar com cheias ou secas.
Há uma perceção de que temos que ser
muito mais adaptáveis às condições climáticas do que pensávamos.
Mas, na realidade, o controlo que pensámos ter alcançado não passa de uma ilusão. As alterações climáticas são expressas na paisagem através da água: as inundações, as secas são os sintomas. À medida que o sistema climático muda, revela que o nosso sistema de infraestruturas (barragens, canais e diques) na verdade não é suficiente para nos proteger de todos estes fenómenos, em permanência.
Pensávamos que tínhamos controlado a água e, por um tempo, certamente controlámos muito mais do que em qualquer outro ponto da história. Mas também nos iludimos de que tínhamos controlo total sobre a água. Isso não é de todo verdade.
Portugal está em seca severa, depois de já ter estado em situação de seca extrema. As barragens estão vazias, os agricultores pedem ajuda. Esta instabilidade meteorológica expôs a nossa vulnerabilidade, como disse. O que podemos fazer?
Há uma resposta de curto prazo e há uma pergunta de longo prazo.
No imediato, sabemos o que é preciso que aconteça. Parte, passa por aumentar a eficiência da agricultura. Portugal está a passar por uma seca, tal como Espanha ou o Norte de Itália. Mas existem países, como Israel, que têm muito menos água do que estes países e ainda assim têm um sistema agrícola produtivo. Claro que é um sistema diferente, mas não é impossível de adaptar e pode tornar mais eficiente o uso da água. Nós tendemos a não ser tão eficientes quanto poderíamos.
Também podem ser construídas infraestruturas de atualização. Uma das coisas que aconteceu nos últimos 30, 40 anos é que em muitos países – não conheço muito bem Portugal mas suspeito que a história seja parecida – muitos países deixaram de investir na manutenção da infraestrutura. Por isso, temos uma infraestrutura bastante antiga, nem sempre dimensionada corretamente e inadequada para os problemas atuais.
E qual é a pergunta para o longo prazo?
A realidade é que o sistema climático está a mudar o suficiente e mudará cada vez mais. É preciso perguntar: como será a nossa paisagem no futuro? Provavelmente terá que ser diferente, não é apenas uma questão de preservar tudo o que cultivamos hoje e apenas sermos mais eficientes. Talvez tenhamos que começar a mudar o que fazemos com a água na paisagem: culturas diferentes, outro tipo de plantas, diferentes tipos de práticas agrícolas.
O que está a acontecer em Portugal, Espanha e Itália é um dos motivos por que é importante que se comece a questionar o aspeto da paisagem e porque tem que começar a mudar.
Isso leva-me à próxima pergunta. Hoje a paisagem das cidades é muito semelhante, em todo o mundo, isto não é natural.
É, de certa forma, uma conquista notável. Podemos ir a Tóquio, Los Angeles, Londres, Lisboa ou Milão e a nossa experiência com a água é praticamente a mesma, embora sejam lugares com condições de água notavelmente diferentes. A quantidade de água que cai do céu por […]