José Manuel Rodrigues desistiu do rebanho de cabras, mantém uma exploração de vacas, em Mondim de Basto, e diariamente faz contas ao aumento da despesa, ao rendimento que não permite fazer poupanças e à manutenção na atividade.
“Com as medidas que temos, se calhar vão ter que ir as vacas também e eu passar a ser mais um emigrante”, afirmou hoje à Lusa o agricultor de 37 anos, que reside em Pardelhas, no concelho de Mondim de Basto.
Na sua opinião, os agricultores “têm todas as razões” para se manifestarem e, por isso, disse que vai também participar no protesto marcado para quarta-feira, na cidade de Vila Real, pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e suas filiadas.
A CNA reuniu-se na segunda-feira com a ministra da Agricultura e, no final, emitiu um comunicado em que disse que as “manobras de diversão do Governo são inaceitáveis e só reforçam a necessidade de lutar por outras e melhores políticas agrorrurais”, mantendo, por isso, a marcha lenta de tratores e máquinas agrícolas agendada para quarta-feira em Trás-os-Montes.
Os ecos das notícias dos protestos de agricultores que se repetem pela Europa e os sucessivos anúncios do Governo vão chegando à aldeia serrana de Pardelhas e José Manuel Rodrigues assume que viver desta atividade é cada vez mais difícil, principalmente nestes territórios do Interior Norte.
“As pessoas desistem porque ser agricultor é uma vida muito escrava e muito dura”, frisou.
Tem uma exploração de 16 vacas maronesas e cruzadas para venda de carne e, no final de 2023, decidiu vender o rebanho de cerca de 100 cabras.
“Fiz as contas ao rendimento das cabras, que não dava para andar o ano todo atrás delas”, frisou.
Salientou que a ajuda atribuída pelo Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas (IFAP) “era muito pouca” e que a venda de cabritos não chegava para o trabalho que elas davam, pois era obrigado a andar pelos montes diariamente com o rebanho.
Agora, solta as vacas que pastoreiam sozinhas pela serra e regressam, depois, à exploração. Para ajudar na alimentação dos animais cultiva feno.
José Manuel Rodrigues contou que sentiu um corte “bastante elevado” nas ajudas no ano passado e, se se confirmar mais uma redução em 2024, então dificilmente poderá manter-se na atividade.
“Se continuarmos com essas medidas, eu não me aguento a pagar todas as dívidas e a trabalhar diariamente e, no final do ano, não ter dinheiro nem para comer”, salientou.
A despesa é, apontou, cada vez maior quer seja em combustíveis, manutenção de máquinas, contas no veterinário quer alimentação dos animais, mas o rendimento da venda de carne mantém-se há quase duas décadas.
“Em 20 anos, se calhar subiu um euro por quilo de carne ou um 1,5 euros, e isso não justifica nem um terço da inflação das despesas”, frisou.
Questionado sobre o porquê de ter escolhido ser agricultor, contou que este foi sempre o trabalho dos avós e dos pais e que gosta desta atividade.
“Mas, agora, realmente estou a ver que se se calhar não foi a melhor decisão que fiz quando tinha 20 anos”, afirmou.
É um trabalho diário, em que não há férias, nem fins de semana de folga. “E chegas ao fim do ano, fazem-se as contas e nem poupanças tens. É o que acontece aqui na agricultura, é trabalhar para o dia-a-dia e já tens que ser bem governado porque senão nem para o dia-a-dia tens”, lamentou.
O protesto convocado pela CNA tem início marcado para a rotunda do quartel, seguindo-se depois uma marcha lenta de tratores e outras máquinas agrícolas até à praça do município.
“O que se passou na reunião (na segunda-feira) com as confederações foi mais uma sessão da já rotineira e inaceitável campanha dos milhões para os agricultores, anunciados repetidamente pela tutela”, realçou a CNA em comunicado.
Acrescentou que, para além da redução do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) do gasóleo agrícola, que é uma medida considerada “positiva, mas que já estava prevista no Orçamento do Estado para 2024”, e da compensação dos cortes nas candidaturas aos ecorregimes “Agricultura Biológica” e “Produção Integrada”, “todas as outras medidas anunciadas são virtuais”.
“São um caderno de intenções que o Governo sabe que não pode concretizar, porque não tem garantias de Bruxelas de que vai ser aprovado. Na melhor das hipóteses, parte das medidas, a concretizar-se, só chegaria aos agricultores em 2026”, salientou a organização.