O Tribunal Marítimo da Província de Nampula anulou a saída de contentores com feijão bóer e outros produtos apreendidos ao conglomerado ETG em Moçambique, que outro concorrente pretendia exportar, segundo decisão a que a Lusa teve hoje acesso.
Em causa está um diferendo que se arrasta há meses e que já levou a ETG, que pediu a intervenção do Presidente da República, a interpor uma providência cautelar queixando-se da apropriação da sua carga, no porto de Nacala, pela concorrente Royal Group Limitada (RGL).
Em mais uma decisão judicial sobre este processo, com data de 16 de janeiro e comunicada ao diretor das Alfandegas de Nacala, aquele tribunal refere “ordenar a sustação [anulação] de saída e trânsito, por via marítima, da carga a granel e em contentores constituída por feijão boer, soja, gergelim, amendoim, arroz e milho arrestados” dos requeridos, a RGL.
“Esta medida deverá ser extensiva às seguintes empresas: todos agentes de navegação, CMA, CGM, MASC, MAFL, PIL, MAERSK LINE ou qualquer outra empresa contratada pela requerida [RGL] ou com a qual a requerida tem relações comerciais”, lê-se na decisão.
O documento enfatiza que “somente” a carga especificada e que esteja arrestada “é que está abrangida pela presente medida de sustação”, devendo por isso “o cumprimento desta medida paralisar, perturbar ou embaraçar a execução ordinária das outras operações portuárias”.
O conglomerado ETG, com sede nas Maurícias, disse anteriormente que está a recorrer a todos os meios legais, incluindo internacionais, para impedir a exportação de mais de 70 milhões de dólares (64,3 milhões de euros) de feijão bóer e outros produtos apreendidos em Moçambique “ilegalmente”.
“Atualmente, o nosso feijão bóer apreendido, bem como outros produtos, incluindo sementes de sésamo, amendoim, milho, soja e arroz, estão a ser transferidos dos nossos armazéns em Nacala para outros armazéns pertencentes à RGL”, explicou hoje fonte oficial da ETG, conglomerado com sede nas Maurícias, em resposta à Lusa.
“Contrariando as ordens judiciais [que ordenaram a apreensão da carga] a RGL está reembalando as mercadorias a serem expedidas sob o nome de Bull Limitada. Acreditamos que esteja iminente o embarque da mercadoria apreendida num navio da CMA CGM. A 13 de janeiro, o feijão bóer apreendido ascendia a 27,6 milhões de dólares [25,4 milhões de euros] e a 44,9 milhões de dólares [41,3 milhões de euros]as mercadorias apreendidas”, esclarece.
A Lusa noticiou na quinta-feira que o líder da ETG apelou ao Presidente moçambicano, em carta com data de 26 de dezembro, para intervir na “saga do feijão bóer”, em que alega estar a ser vítima de “expropriação” pela empresa RGL.
Maheshkumar Raojibhai Patel queixa-se na carta de “acontecimentos extraordinários” que ocorrem há vários meses na localidade portuária de Nacala, província de Nampula, norte de Moçambique, com o “roubo generalizado e expropriação” de bens pela RGL com o apoio de órgãos públicos, colocando em causa a exportação de produtos agrícolas, nomeadamente feijão bóer com destino à Índia.
Na origem do conflito, já com cerca de 14 meses e sem comentários do Governo moçambicano, está a denúncia da RGL, que acusa a ETG e outras empresas que exportam feijão bóer para a Índia – que compra quase toda a produção nacional – pela responsabilidade da denúncia que tinha exportado para aquele país soja geneticamente modificada (OGM).
Em outubro de 2022, o Tribunal Provincial de Nampula ordenou a suspensão de todas as exportações da ETG e de outros grupos também acusados pela RGL neste processo. No dia seguinte, o Tribunal Judicial da Província de Nampula concedeu à RGL ordem de penhora de bens da ETG, incluindo imóveis e navios, e congelou as suas contas bancárias.
Entretanto, com uma fiança aplicada pelo tribunal local de 60 milhões de dólares (55,1 milhões de euros), o grupo tenta travar a retirada da carga naquele valor, em feijão bóer e outros produtos agrícolas, alegadamente pela RGL, que assumiu a sua posse em Nacala.
Em resposta à Lusa, fonte oficial da ETG afirmou que a RGL “foi apanhada a enviar produtos OGM para a Índia pelas autoridades indianas há mais de um ano” e “decidiu recuperar as perdas desse incidente iniciando uma disputa infundada” contra aquele conglomerado, “que agora foi criminalizado com a cooperação de entidades públicas” moçambicanas.