O mundo do vinho está em constante mutação e evolução e acredito que é isto que o torna apetecível, ou melhor um desafio, aos olhos de quem o conhece muito, pouco ou quase nada ou de quem tem a incessante vontade de querer saber sempre mais alguma coisa.
A conjugação deste desafio com uma certa imprevisibilidade, traz ao exercício uma adrenalina positiva que permite – a quem tem e faz do vinho a sua vida e o seu trabalho – optar pela descoberta e ir sempre além.
O final de cada ano traz quase sempre pedidos de balanço e perguntas sobre novas tendências e de imediato afirmo que independentemente daquilo que se passe, o foco continuará a ser o terroir, acreditando que é aqui que reside o valor e a importância da identidade do vinho e um dos seus maiores interesses, pois o vinho é um daqueles produtos que melhor traduz este sentido de lugar.
Para mim, esta será, muito provavelmente, uma das expressões mais felizes deste mundo. Com ela referimo-nos à conjugação entre os solos, as castas, os climas e os microclimas, as mãos que trabalham a terra e a uva, a cultura e as tradições relacionadas com a vinha e o vinho.
Depois de vivermos décadas de intenso desenvolvimento na indústria do vinho, o que permitiu um salto qualitativo sem paralelo, os principais atores perceberam que seria necessário colocar um certo travão em técnica e tecnologia, apostando no estudo e análise do passado, para beberem os melhores ensinamentos e contextualizá-los à luz dos dias de hoje.
Menos passou a ser mais. Nos vinhos e nas técnicas de viticultura, nas adegas, nos discursos à imprensa e aos consumidores.
Muito por aí se explica o sucesso dos chamados vinhos naturais, um movimento que teve o condão de despertar para uma forma alternativa de interpretar o vinho, não obrigatoriamente melhor ou pior, mas certamente diferente de paradigmas e de clichés existentes.
Voltamos, os que produzem e os que consomem, a olhar para a origem das coisas e a privilegiar os vinhos que conseguem traduzir o tal terroir. As excentricidades passaram a ser encaradas como hipóteses e, sobretudo, o terroir passou a ser interpretado como uma questão de identidade.
Se os produtores de garagem foram dos primeiros a destacar-se, paulatinamente, os maiores voltaram a privilegiar as castas autóctones, por práticas ecologicamente mais sustentáveis e amigas do ambiente, por processos menos interventivos nos vinhos.
Elegância e frescura tornaram-se predicados usados frequentemente em descritivos, sem que isso deva ser confundido com perda de carácter. Melhor, começou-se a conseguir comunicar mais facilmente a identidade do que é um vinho do Alentejo, um vinho do Douro, um vinho da Bairrada… e o consumidor passou a percebê-la, a senti-la e a apreciá-la.
Noutro prisma de análise facilmente concluímos que o vinho seguiu a tendência da gastronomia. Importa o produto, sublinha-se quem o faz, valoriza-se a origem, o local e o território. Num momento em que o mundo procura diferenciação, bem-estar e ecossistemas sustentáveis, vinhos menos extraídos, vinhos com menor percepção de teor alcoólico, vinhos mais fiéis aos pergaminhos de cada local e de cada casta saem valorizados.
Não só em Portugal como no resto do mundo essa deverá continuar a ser a grande tendência. Pessoalmente, parece-me uma forma muito inteligente de evolução e de identidade.
Nuno Guedes Vaz Pires
Essência do Vinho
O artigo foi publicado originalmente em Eggas.