A crise sanitária foi uma oportunidade para as plataformas digitais, que aproveitaram para integrar os pequenos produtores nas cadeias de distribuição. O vale do Minho, o turismo e o alvarinho conquistam mercados internacionais e no Alqueva a água continuou a correr.
Engenheiro, agricultor e produtor de arroz, Filipe Núncio defende que o produto agrícola se deve diferenciar para não se tornar numa commodity. “Temos de diferenciar e segmentar o produto agrícola por variedades e qualidade. Esta tem a ver com a qualidade alimentar, mas também com a segurança alimentar que vem dos modos de produção aplicados no campo. A tendência do consumidor atual é saber mais sobre a origem, o tipo e o modo de produção utilizado na criação do produto. No caso da indústria tem de se garantir que esta tem toda a informação para depois transformar, embalar e informar o consumidor e assim captar mais valor na cadeia.”
Neste processo são fundamentais as plataformas digitais, os marketplaces, como o Agri Marketplace de que Filipe Núncio foi um dos quatro fundadores em 2016. É uma plataforma para aproximar a indústria compradora de produtos agrícolas da produção agrícola e dos agricultores. “Faz a redução da intermediação na cadeia de abastecimento e foi potenciada por esta crise sanitária. Beneficiou com a dificuldade dos brokers e dos traders, operadores e vendedores se deslocarem para adquirir ou vender os seus produtos em várias partes do Mundo”, assinalou.
Como salientou Pedro Barreto, administrador do BPI, a agricultura não parou durante o confinamento da pandemia de Covid-19 e os dados do banco apontam para que “tenha sido o setor que apresentou maior resiliência nesta crise pandémica”. A que se junta o desenvolvimento da agricultura na última década, e que a par do turismo têm sido prioridades estratégicas do BPI.
A crise sanitária provocou uma maior procura de mercados de proximidade em detrimento de mercados externos. Para o marketplace foi uma oportunidade para ir ao encontro dos pequenos produtores de frescos, vegetais, frutas, e ligá-los diretamente ao consumidor final das regiões.
Segundo Filipe Núncio, “sempre que há uma cadeia de abastecimento de proximidade torna-se preferencial, porque dá mais segurança e sustentabilidade na cadeia e a pegada de carbono é mais reduzida”.
Alvarinho de 2021 vendido
Pelas terras do vale do Minho, com destaque para Melgaço, o impacto da crise sanitária provocada pelo Covid-19 foi mista. “A perceção de que o campo é menos perigoso e com menor risco deu atratividade a muitos territórios e atraiu o turismo. Nós não estávamos à espera de que houvesse uma pandemia para nos tornarmos atrativos, até porque isso implica que houve um trabalho anterior ao nível do turismo, que tem sido alavancador das nossas economias”, disse Manuel Batista, presidente da ADRIMinho e presidente da Câmara Municipal de Melgaço.
Mas nos primeiros meses, o período de confinamento entre março e abril, “a agricultura sofreu um estremecimento, sobretudo a produção de vinho alvarinho, fundamental para a região”, reconhece Manuel Batista. Mas rapidamente se recompôs e conseguiram inverter a tendência. Recuperaram vendas no mercado nacional e no internacional. “Segundo alguns produtores, a procura cresceu fortemente e alguns produtores até já têm reservada a colheita de 2021”.
Para este autarca os desafios para os pequenos territórios que se caracterizam pelo minifúndio são ter a capacidade para fazer a transferência de conhecimento para o território e para os pequenos produtores e fazer das associações de desenvolvimento local o “melhor instrumento para que os financiamentos comunitários e públicos cheguem os pequenos produtores”, refere Manuel Batista.
Água sempre a correr
Durante o este período de pandemia, tanto no período de confinamento como depois, o ritmo de investimentos no regadio de Alqueva não parou de subir. “De 2019 para 2020 aumentaram 7 mil hectares de inscrições, o que significa investimentos agrícolas de dezenas de milhões de euros. Se contarmos com os custos de transação da terra estamos a falar de uma ou duas centenas de milhões de euros de investimento”, salientou José Pedro Salema, presidente da EDIA (Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva).
Referiu ainda que a água não faltou e a procura também não diminuiu. “As nossas equipas operacionais tiveram que vencer o medo e o pânico que a Covid-19 provocou nos serviços, porque nunca estiveram confinadas porque desde o primeiro dia disse que não faltaria água aos nossos clientes”.
Explicou que o regadio é fundamental para Portugal porque no clima mediterrânico quando as plantas precisam de água a natureza não lhes dá. “Se queremos que as plantas cresçam no verão, que é quando têm mais radiação, calor, condições para crescer, só através do regadio se ultrapassa esta limitação. Quando se faz aumenta-se muito a produção, em que, em média se multiplica por seis, mas há casos em que se aumenta o rendimento em 10 ou 12 vezes. Se todas as explorações do Sul tivessem 15% de regadio multiplicava-se muito o VAB agrícola”, disse José Pedro Salema. Defendeu ainda que se deve caminhar para uma agricultura intensiva sustentável.
Novo normal em debate
O webinar ‘Investimento no Setor Agroalimentar – O Novo Normal’ realizado a 17 de setembro de 2020 no âmbito da 9ª edição do Prémio Nacional da Agricultura 2020, que é promovido pelo Correio da Manhã, ‘Jornal de Negócios’ e o BPI, este prémio conta com o patrocínio do Ministério da Agricultura, e o apoio da PwC. A abertura foi feita por Pedro Barreto, administrador do BPI, e seguiu-se um debate moderado de Pedro Santos, diretor-geral da Consulai, em que participaram Filipe Núncio, COO da Agri Marketplace, José Figueiredo, presidente da Agrogarante, José Pedro Salema, presidente da EDIA, e Manuel Batista, presidente da ADRIMinho e presidente da Câmara Municipal de Melgaço.
“Já se discute o 5G em Lisboa mas no vale do Minho nem 3G conseguimos ter”
“Em termos da Agrogarante, pelo efeito das linhas Covid-19, teremos feito até agora 600 ou 700 milhões de euros de financiamento, quando, normalmente, fazemos 250 milhões de euros por ano”, afirmou José de Figueiredo, presidente da Agrogarante.
As linhas de Covid-19 tiveram alguns problemas iniciais provocados pelo modelo de distribuição mas, depois de corrigida essa fase inicial, agora os processos são mais simples e mais ágeis. “Há uma grande concentração em setor primário puro, e abrangendo pequenos produtores, o que quer dizer que estão a ser apoiados pela banca”, constatou José de Figueiredo.
Este gestor financeiro refere que “os setores agrícola e agroindustrial estão na moda, e nos últimos anos o financiamento teve um aumento significativo e o setor financeiro revelou maior propensão para financiar projetos, e, mesmo na pandemia, o setor financeiro continuou a fazer chegar dinheiro às empresas agrícolas”.
José de Figueiredo salientou ainda que “houve um conjunto de oportunidades de financiamento que teve a ver com a viragem da produção nacional que estava dirigida para os mercados internacionais e para o mercado interno”.
Deu ainda o exemplo das plataformas eletrónicas, os marketplaces, que se dedicaram aos pequenos produtores de base local, como perecíveis e legumes, e estes passaram a ter mais mercado e a chegar ao consumidor final. “Permite que o risco e o financiamento possam acercar-se deste circuito porque como tem mais acesso a mercados têm mais valor. Com o encurtamento das cadeias, a margem de quem produz na origem pode aumentar em vez de se concentrar no final das cadeias longas”.
Mais infraestruturas
Portugal terá cerca de 45 mil milhões de euros para os próximos 10 anos, divididos entre 13 a 15 mil milhões de subvenções do Next Generation EU e 30 mil milhões do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, que vão privilegiar a economia sustentável. “Os novos financiamentos comunitários permitem financiar projetos com os novos trends, que acompanhem a tendência mundial para as preocupações da nutrição, comida saudável, saber a origem dos produtos, preocupações ambientais e sustentáveis”, afirma José Figueiredo.
Para Manuel Baptista, presidente da ADRIMinho e presidente da Câmara Municipal de Melgaço, nos territórios de baixa densidade é fundamental, para a sua competitividade, que com os financiamentos comunitários se traduzam em infraestruturas essenciais como a rodoviária, a tecnológica.
“Já se discute o 5G em Lisboa mas nos nossos territórios nem 3G conseguimos ter. A fibra ótica tem de chegar às populações destes territórios. Estamos a fazer um circuito de 16 trilhos e queremos carregar a informação digital para ser lida por QR Code e não podemos. Como é que podemos atrair projetos turísticos, indústrias se depois não temos cobertura digital?” contou Manuel Baptista.
José Figueiredo defende que as regras aprovadas em Bruxelas para a utilização dos fundos deste pacote financeiro “sejam claras, ágeis e que permitam uma decisão rápida e uma utilização não burocrática e centrada nos resultados. Um segundo aspeto é que se tenha confiança nas pessoas, para centrar mais os meios públicos no controlo da aplicação e dos resultados. Confio nas pessoas e quem faz um projeto é sério e depois quem se portar mal é penalizado”.
O artigo foi publicado originalmente em Correio da Manhã.