“Este ano o que me salvou foi o seguro!” foram as palavras ao telefone, há dias, dum amigo meu, a quem a trovoada e o granizo liquidaram as esperanças dum ano bom nas suas vinhas e o escaldão está a rematar o desastre. Sorte a dele, a de estar no Douro e poder buscar algum equilíbrio com a quota do benefício e, sobretudo, a de ter feito o seguro vitícola de colheitas deste ano com todas as coberturas.
Os seguros gozam de uma fama popular de serem vorazes para receber, mas forretas para pagar. E há quem cite exemplos. Contudo, muitos desses exemplos são antigos, do tempo em que tal fama se gerou, e nada têm a ver com a realidade presente, em que se transformaram num instrumento financeiro na contabilidade e balanço das empresas e num forte factor de minimização dos prejuízos causados. O conhecimento das ocorrências e da sua frequência foi, durante muitos anos, do foro próprio de cada viticultor e exploração, e a avaliação sobre compensar ou não fazer seguros era um exercício de cada um e ano a ano, decidindo quase sempre “que não valia a pena”. Contudo, hoje em dia há novas incertezas, como a dos cada vez mais frequentes fenómenos extremos e aleatoriedades climáticas, que vieram acrescentar uma maior incerteza à incerteza e ao facto de hoje já não ser válida a regularidade empírica com que os proprietários puderam encarar a agricultura da sua exploração durante gerações.
De acordo com o site do IVV, o SVC, seguro vitícola de colheitas, visa contribuir para proteger os rendimentos dos produtores de uva para vinho, quando sejam afetados por acontecimentos climáticos adversos. É apoiado por fundos comunitários, previsto no Programa Nacional de Apoio para o Sector Vitivinícola (…). Os apoios são pagos por intermédio das seguradoras (…). Podem beneficiar do apoio, os produtores de uva de vinho proveniente de vinhas instaladas no território continental, com situação atualizada no registo central vitícola, e que celebrem um contrato de seguro individual ou de grupo. A submissão de uma candidatura implica a celebração de uma apólice de seguro (individual ou de grupo) (…) com uma seguradora. A candidatura a este apoio é um processo conjunto do tomador de seguro, que inicia o processo, e da seguradora selecionada, que a completa e a submete ao IFAP. A candidatura é precedida por uma fase de preparação por parte do tomador, com recolha e validação de informação relativa às parcelas de vinha.
No site do IFAP é dada mais informação relevante, que pode ser consultada aqui, nomeadamente quanto aos riscos cobertos: fenómenos climáticos adversos equiparados a catástrofes naturais, considerando-se como tal condições climáticas que destroem mais de 30% da produção anual média de um dado produtor (calculada com base em três dos cinco anos anteriores, excluídos os valores superior e inferior); fenómenos climáticos adversos com níveis de perda da produção iguais ou inferiores a 30% da efetivamente esperada na campanha vitivinícola; pragas e doenças da vinha, desde que as condições climáticas sejam adversas à cultura e tecnicamente não seja possível controlar o seu aparecimento ou desenvolvimento, conduzindo a perdas médias, ao nível do concelho de implantação da parcela segura, superiores a 20% da produção de uvas efetivamente esperada na campanha vitivinícola, desde que devidamente atestados pelos serviços do Ministério da Agricultura.
Uma das maiores surpresas para os que contratam seguros para as suas vinhas tem a ver com o preço a pagar por apólice. Quando me vêm falar que mais vale correr o risco porque o que se paga “só compensa se houver sinistros em anos seguidos ou em várias vezes com intervalos inferiores a cinco anos”(sic), fico sempre a pensar na falta que faz que as decisões dos agricultores sejam ponderadas e, sobretudo, que sejam informadas por números e simulações sérias. Claro que variarão caso a caso. Claro que variarão de seguradora para seguradora. Claro que variarão de ano para ano. Mas podem contar com surpresas boas, sobretudo para os mais recalcitrantes em fazer seguro, mais avessos a achar que vale a pena.
Importante a ter em atenção no momento da celebração de contratos, o valor de PMI (Prejuízo Mínimo Indemnizável, ou seja, o valor de prejuízo a partir do qual a indemnização se torna devida ao viticultor); tal como a condição de os prejuízos serem acumuláveis por evento de sinistro verificado e desta percentagem de perda ser determinada ao nível de cada parcela de vinha em que ocorra e não na totalidade da exploração; finalmente, a percentagem da franquia a ser aplicada pela seguradora (uma franquia relativa de 20 % sobre os prejuízos indemnizáveis, o que significa que por cada 100€ de prejuízo indemnizável o viticultor receberá 80€).
O preconceito, de que “a fatia de leão fica para a seguradora” e de que “não compensa fazer um seguro vitícola de colheitas”, esbarra com um exercício simples, em linha geral: considerando que a pipa é de 550 litros e que sejam necessários 770 kg de uvas para uma pipa; que o valor médio expectável das uvas fosse de 0.50€, um SVC no Douro sairia a 7,06€ por pipa para um PMI de 5% e de 3,59€ por pipa para um PMI de 30%, neste ano de 2023.
O mesmo SVC noutra região terá saído com valores diferentes, dado que as produtividades por hectare são diferentes e outros factores serão também diferentes. Mas, para se ter uma ideia, a mesma simulação por pipa para a Beira Interior, para um preço expectável de kg de uva a 0.70€, o seguro custaria 31,05€ para um PMI de 5% e 15,53€ para um PMI de 30%.
Ou seja, a fatia de leão não fica para a seguradora e compensa fazer um seguro vitícola de colheitas. Basta cada um pensar no risco que corre e como é coberto face ao que teria que pagar…
Vale a pena pedir simulações de seguros. Aqueles a quem o aconselhei, nenhum se arrependeu, até hoje! Em todo o mundo desenvolvido os seguros agrícolas são um instrumento financeiro habitual e essencial. Vale a pena fazer seguros. É confrangedor ver todos os anos serem pedidos subsídios e medidas excepcionais quando troveja ou acontece algo que destrói a colheita expectável em vez de, racionalmente, se fazerem contratos de seguros bem negociados com as seguradoras. Claro que a par se devem manter todas as promessas e novenas a Santa Bárbara!
Estamos na época das vindimas, excelente para começar a pensar as decisões de preparação da próxima de 2024. Que os seguros façam parte!
Consultor e escritor, ex Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte, 2011-2018; ex Vice-Presidente do IVV, 2019-2021