Espécie nativa, que cresce espontaneamente no nosso país, o sabugueiro tem sido pouco estudado e valorizado em Portugal. Aprofundar o conhecimento sobre a cultura, flor e baga de sabugueiro, e o seu potencial em novos produtos alimentares, foram alguns dos objetivos do Grupo Operacional Sambucus Valor. Conheça o trabalho desenvolvido, com o apoio de Sílvia M. Rocha e Bruno Cardoso.
O sabugueiro é uma espécie que cresce naturalmente por toda a Europa e em algumas zonas de África e da Ásia, mas a flor e baga de sabugueiro são especialmente apreciadas no Norte e Centro da Europa e é para estas regiões que segue a grande maioria da produção portuguesa.
Embora quase todas as partes deste arbusto ou pequena árvore (de nome científico Sambucus nigra) tenham utilização, com aplicações nas indústrias alimentar e nutracêutica (suplementos alimentares), farmacêutica e cosmética, a baga e flor do sabugueiro nacional são pouco conhecidas e valorizadas no nosso país – tal como a própria espécie.
Em Portugal, o sabugueiro é mais frequente no Norte, especialmente na região Távora e Varosa (entre o Douro e o Dão), embora já existam várias plantações dispersas por todo o território. Bem-adaptada ao clima nacional, esta nativa consegue crescer sob variadas condições – é capaz de tolerar solos mais pobres, tempo seco e poluição atmosférica, podendo até ser encontrada em beiras de estrada – embora se desenvolva melhor quando tem exposição solar e em zonas com humidade.
Esta versatilidade faz do sabugueiro uma espécie robusta, pouco exigente, e uma cultura com potencial de valorização em Portugal, até porque a flor e baga de sabugueiro nacional servem já de base a produtos naturais e saudáveis no Norte e Centro da Europa, onde são transformados e valorizados.
Nestes países, tanto as flores como as bagas de sabugueiro (black elder, em inglês) fazem parte da dieta e são muitas vezes consumidas com objetivos de bem-estar e saúde. As bagas são usadas, por exemplo, para fazer sumos, compotas e sopas, enquanto as flores secas são utilizadas para fazer chás e bebidas, sendo ainda aplicadas como aromatizantes de vários produtos alimentares.
O que falta então para que Portugal possa aproveitar internamente este potencial?
PROJETO: Sambucus Valor – valorização integrada do sabugueiro
LOCALIZAÇÃO: Região Norte de Portugal
TEMAS
Adaptação às alterações climáticas
Promoção de produtos agroalimentares
Valorização do sabugueiro
Como valorizar a flor e a baga dos sabugueiros plantados em Portugal?
A equipa do Grupo Operacional Sambucus Valor acredita que os sabugueiros plantados em Portugal podem ser valorizados como fonte de matéria-prima para o desenvolvimento de produtos alimentares e como base de uma cadeia de transformação de valor acrescentado.
Este Grupo pretendeu, por isso, conhecer e avaliar novas formas de valorizar de forma integrada o sabugueiro nacional, usando as competências e recursos das diferentes entidades que o integraram como parceiras – que vão desde a produção, gestão agrícola, investigação e inovação, comercialização, promoção nacional e internacional, e comunicação.
A equipa envolvida no projeto nasceu por iniciativa da Universidade de Aveiro e foi liderada pela InovTerra – Associação para o Desenvolvimento Local (em Salzedas, concelho de Tarouca, na região do Douro), contando ainda com a colaboração do INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, de Alberto Luis Neto da Casa Agrícola Valbom, da empresa de comércio grossista Inovfood, e da empresa editorial Publindustria.
O projeto teve início em 2018 e terminou em dezembro de 2022.
Uma cultura com potencial, ainda insipiente em Portugal
Quando arrancou o projeto Sambucus Valor, estimava-se que existissem cerca de 600 produtores e uma área próxima dos 400 hectares de sabugueiro em produção – incluindo pomares e zonas de bordadura (por exemplo, delimitando campos agrícolas). Tarouca era (e é) um dos cinco concelhos nos quais a cultura de sabugueiro sobressaía – em conjunto com Tabuaço, Moimenta da Beira, Lamego e Armamar.
Em 2018, Portugal tinha uma produção de cerca de 1500 toneladas de baga fresca, que representava cerca de dois milhões de euros em comercialização nacional.
A transformação da baga (ou de outras partes da planta, como as flores) é pouco representativa no nosso país. A produção nacional tem sido exportada quase na totalidade e tem garantia de escoamento. “Assim o país produzisse mais e mais se vendia”, refere Sílvia Carriço, da Universidade de Aveiro. No entanto, sem recursos para transformação instalados, o valor acrescentado acaba por ser criado fora do país.
Em paralelo, existia pouco conhecimento sobre a cultura e sobre os níveis de maturação, valor nutricional ou nível de toxicidade da baga de sabugueiro portuguesa, o que não apoiava a sua utilização e valorização.
Esta valorização da flor e baga de sabugueiro portugueses poderia trazer benefícios vários, nomeadamente socioeconómicos: dinamização de novas atividades locais, criação de emprego e reforço da rentabilidade dos produtores; e reforçaria os benefícios ecológicos, contribuindo para a formação de bosques diversos, para a polinização (as flores florescem na primavera) e para a alimentação de inúmeras espécies de animais silvestres (as suas bagas são fonte de alimento para aves e mamíferos durante o final do verão e o início de outono).
Refira-se que esta dinamização está em linha com a estratégia da União Europeia “do prado ao prato”, já que o sabugueiro é uma espécie nativa com boa capacidade de adaptação, a sua cultura é pouco exigente e pode ser combinada com outras, diversificando espécies e rendimento, e as suas bagas são consideradas um alimento saudável.
No início do projeto, sabia-se que o sabugueiro nacional cresce bem (inclusive livremente) em bosques, linhas de água e margens de campos, e que esta cultura tem boa capacidade de regeneração, responde bem a podas e pode ser plantada a partir de estacas.
Genericamente, sabe-se também que a utilização de várias partes do sabugueiro data de tempos antigos. Naturalistas e médicos da Grécia e Roma Antigas atribuíam-lhe propriedades medicinais, e tanto a baga como as flores têm sido usadas nas medicinas tradicionais.
De resto, nos países onde a transformação e consumo de flor e baga de sagueiro são mais expressivos, estas propriedades são aproveitadas na produção de nutracêuticos (suplementos alimentares com características farmacêuticas benéficas) e noutras indústrias, como a farmacêutica e cosmética. No Norte da Europa, é até habitual as famílias organizarem passeios nos campos e florestas, em setembro, para recolherem a baga de sabugueiro e fazerem xarope caseiro, antecipando a época de gripes e resfriados.
OBJETIVOS E MEDIDAS
Melhorar a colheita, desenvolver novos produtos e divulgar os seus benefícios
O grande objetivo do Grupo Operacional Sambucus Valor passou por tirar partido das culturas já existentes para conhecer as propriedades das bagas e flores, assim como dos seus subprodutos e resíduos de transformação, e para desenvolver novos produtos que beneficiem do seu potencial.
Só com este conhecimento base será possível criar cadeias de transformação nacionais passíveis de acrescentar valor, aumentando o rendimento da cultura e, ao mesmo tempo, fomentar a circularidade, a biodiversidade ecológica e a aplicação dos produtos do sabugueiro na dieta dos portugueses.
Assim, o Grupo Operacional Sambucus Valor estabeleceu metas específicas para conhecer, valorizar e divulgar esta cultura junto dos proprietários, mas também junto da sociedade e dos potenciais consumidores, salientando-se entre elas:
Definir indicadores físicos e químicos da qualidade da flor e da baga, e analisar a sua relação com as condições de cultura e colheita;
Implementar processos de estabilização e armazenamento da baga e da flor, que permitam manter as características e preservar os componentes bioativos além do período normal de colheita, de forma a garantir o fornecimento de matéria-prima por mais tempo – cerca de um mês;
Desenvolver novos produtos alimentares, tirando partido das características distintas da flor e da baga de sabugueiro, testando a viabilidade de liofilizados (preservados por um processo de desidratação que mantém as qualidades nutricionais), pós com grãos de diferentes dimensões (granulometrias), concentrados e prensados secos;
Fazer uma avaliação nutricional dos produtos desenvolvidos, para demonstrar o seu valor acrescentado e divulgá-lo junto do consumidor, de modo a dar a conhecer os seus benefícios e a estabelecer uma relação de confiança com os produtos;
Criar redes de disseminação de informação e parcerias com associações de consumidores, empresas do ramo alimentar e produtores de sabugueiro para divulgar e valorizar o sabugueiro a nível nacional e internacional;
Criar as bases para o estabelecimento de um centro piloto que poderia funcionar como núcleo de inovação em toda a cadeia de valor do sabugueiro: da planta à criação de novos produtos alimentares de valor acrescentado.
RESULTADOS / PROJEÇÕES
Qualidades das bagas de sabugueiro portuguesas confirmadas e primeiros produtos disponíveis no mercado ibérico
O Grupo Operacional Sambucus Valor criou conhecimento e soluções que podem vir a ter impacte na valorização da cultura do sabugueiro, aprofundando questões que antes não se encontravam respondidas. Eis algumas delas:
1. Quando é que a baga está no ponto ótimo para ser colhida?
Foi implementada uma estratégia para controlo do estado de maturação da baga no campo e concluiu-se que este controlo pode ser feito através da utilização de um refratómetro digital portátil, aparelho que permite estimar o teor de açúcares das bagas (expresso em °Brix). Desta forma, é possível planear com maior rigor o dia certo para a colheita da baga.
As tendências de variação observadas ao longo da fase final da maturação indicam que os valores mais elevados de °Brix correspondem também a um valor superior do total de compostos fenólicos e de atividade antioxidante. Estes dois parâmetros estão relacionados com os potenciais efeitos benéficos para a saúde associados à baga de sabugueiro.
Em suma, a determinação do °Brix ao longo da maturação da baga representa uma abordagem simples que fornece aos produtores informação objetiva e útil para a programação da colheita e para a avaliação da qualidade da baga.
2. Quais as qualidades das bagas de sabugueiro portuguesas e o que as distingue?
Determinaram-se indicadores de qualidade da baga de sabugueiro, através da análise de amostras recolhidas entre 2018 e 2021, na região do Vale do Varosa e Távora (Douro) onde se centrou o projeto, incluindo bagas de três variedades de cultivo (cultivares) de Sambucus nigra – ‘Sabugueira’, ‘Sabugueiro’ e ‘Bastardeira’.
Os resultados obtidos mostraram que as bagas colhidas nesta zona apresentam níveis de açúcares e de compostos com potencial antioxidante superiores aos observados em bagas cultivadas no Centro e Norte da Europa.
Estas diferenças podem ser explicadas pelas condições edafoclimáticas – em particular, climáticas – específicas de Portugal Continental, onde as temperaturas médias são mais elevadas do que as que ocorrem na Europa Central. Em Portugal o sabugueiro beneficia também de um maior número de horas de exposição solar diária.
A disponibilidade de água é um fator central para a variação anual da composição das bagas. Apesar da grande capacidade de adaptação desta cultura, ela beneficia de locais com disponibilidade de água, ou da prática da rega.
A estes conhecimentos juntam-se os que resultaram de um outro estudo, também da Universidade de Aveiro, que revelou:
O embalamento em vácuo e o congelamento são as melhores formas de conservação da baga para preservar os compostos benéficos que contém (24 a 32 semanas);
Foi comprovado o efeito antidiabético de suplementos com extratos de baga de sabugueiro (em modelo animal);
Até nos resíduos da casca – no bagaço, que é o subproduto da transformação da baga – são encontrados compostos passíveis de incorporar em novos produtos das indústrias farmacêutica, alimentar e cosmética.
As condições existentes no nosso país permitem às bagas de sabugueiro atingir um nível de maturação que lhes confere qualidades superiores às bagas da Europa Central e do Norte. A colheita na fase ótima da maturação reforça estas qualidades e a presença de compostos bioativos.
3. É seguro consumir baga de sabugueiro?
Foi determinado o teor de compostos cianogénicos (compostos de cianeto) na baga de sabugueiro. Isto porque as bagas de sabugueiro contêm naturalmente este alcaloide tóxico.
A análise efetuada mostrou que as bagas estudadas apresentam um teor muito inferior aos limites de toxicidade considerados seguros: os compostos cianogénicos variaram de 10 a 133 µg (microgramas) de sambunigrina por grama de peso seco de baga, muito abaixo do limite de toxicidade identificados pela Autoridade Europeia do Medicamento (EMA), que é de aproximadamente 330 µg por grama.
Assim, para todas as amostras em estudo, o teor de sambunigrina está muito abaixo dos limites de toxicidade previamente reportados pela EMA, confirmando que o consumo da baga madura é seguro e não levanta problemas de toxicidade para os seres humanos.
4. Que tipo de produtos foram desenvolvidos?
Foram desenvolvidos produtos sem aditivos (ou com um mínimo de aditivos), preparados de modo a preservar os compostos bioativos que estão naturalmente presentes na flor e baga de sabugueiro. Entre eles destacam-se pós e prensados, que podem ser utilizados para preparação de infusões e bebidas refrescantes e para adicionar a outros alimentos, como iogurtes, batidos e cereais.
Estes produtos foram analisados relativamente à sua composição nutricional e ficou demonstrado que são uma fonte natural de:
Fibra dietética;
Compostos antioxidantes;
Minerais essenciais (cálcio, magnésio, ferro e selénio).
Comprovou-se também que contêm baixos teores de gordura, o que permite caracterizá-los como alimentos de baixo valor energético. Podem ainda representar uma fonte alternativa de proteína vegetal.
5. Que produtos de sabugueiro chegaram ao mercado?
Ainda no âmbito do projeto foi feito o aperfeiçoamento de produtos desenvolvidos com parceiros da indústria, nomeadamente com a portuguesa Apiagro, para o vinagre com mel de sabugueiro, e com a Carabuñas, na Galiza, para sumos e concentrados, licores, marmeladas e bombons de sabugueiro.
Vários produtos de sabugueiro estão disponíveis online na loja da InovTerra, incluindo bagas e flor, concentrado Cordial de Flor de Sabugueiro para fazer uma bebida refrescante, vinagre com mel de flor de sabugueiro e rebuçado de flor de sabugueiro com mel e alteia.
6. Como foi divulgado e consolidado o trabalho efetuado?
Foi criada a plataforma web sambucusvalor.pt e redes de disseminação, que permitiram partilhar o conhecimento criado com uma grande diversidade de interlocutores, desde os produtores agrícolas às empresas transformadoras, academia e potenciais consumidores. Em paralelo, a participação em vários eventos nacionais e internacionais e a preparação de publicações foram determinantes para o cumprimento do objetivo de divulgação do potencial da cultura do sabugueiro.
Dado o potencial desta cultura e as inúmeras complementaridades entre o norte-centro de Portugal e a região da Galiza foram ainda desenvolvidos, no âmbito do Sambucus Valor, contactos alargados com o Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial Galiza-Norte de Portugal (GNP, AECT) com vista à disseminação e desenvolvimento de novos produtos e à promoção a cultura do sabugueiro em Portugal e na Galiza.
Em junho de 2021, foi assinado em Tarouca um Acordo de Entendimento para o “Impulso, Consolidação e Competitividade do setor do Sabugueiro”, onde estiveram presentes instituições portuguesas e espanholas: Inovterra, Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial Galiza – Norte de Portugal, Veigas do Sabugueiro, Agropress, Universidade de Aveiro, Universidade de Santiago de Compostela, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Embora não tenha havido condições para estabelecer o centro piloto do sabugueiro, este foi mais um importante passo para a relação Portugal-Espanha nesta rota de valorização do sabugueiro e de divulgação das vantagens do consumo de produtos à base de flor e baga de sabugueiro.
NOTA: na página do Grupo Operacional Sambucus Valor estão disponíveis publicações relacionadas com o sabugueiro, incluindo as que resultaram do projeto.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.