Um estudo no Tappi Journal, publicação técnico-científica especializada em produtos florestais e indústrias do sector, partilha as conclusões sobre o desempenho de pastas para papéis de embalagem (pastas kraft não branqueadas). O resultado indica que a fibra celulósica da espécie Eucalyptus globulus resiste a cinco vezes mais ciclos de reciclagem do que a de Pinus sylvestris.
O estudo “Recycling performance of softwood and hardwood unbleached kraft pulps for packaging papers” (ou “Desempenho de reciclagem de polpas kraft não branqueadas de madeira macia e dura para papéis de embalagem”) comparou fibras de celulose de duas espécies florestais e concluiu que as do Eucalyptus globulus são mais resistentes, permitindo que o papel com elas produzido possa ser reciclado mais vezes.
Estas fibras resistem, no mínimo, a cinco vezes mais ciclos de reciclagem sem perder as suas características iniciais, refere o artigo, dando a conhecer os resultados deste estudo desenvolvido no âmbito do projeto Inpactus – Produtos e Tecnologias Inovadores pela Universidade da Beira Interior com o apoio do RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e Papel, o Laboratório de I&D da The Navigator Company, Universidade de Aveiro, Universidade de Coimbra e Universidade de Lisboa, através do Instituto Superior de Agronomia.
É sabido que a reciclagem do papel não é ilimitada e que a fibra vai perdendo as suas propriedades a cada novo ciclo de reciclagem, sendo necessário adicionar novas fibras de celulose à medida que se repete o processo. Assim, o objetivo do estudo foi avaliar o potencial de reciclabilidade das diferentes fibras e perceber de que forma a reciclagem altera a sua estrutura e propriedades físicas e químicas (isto é, altera a hornificação das fibras, ou seja, o conjunto de fenómenos físico-químicos que ocorrem durante a remoção de água da pasta).
O estudo confirmou que a reciclagem pode afetar a capacidade de absorção e de retenção de água por estas fibras, assim como a sua flexibilidade, por exemplo. A causa destas alterações está associada ao “colapso irreversível de parte substancial dos poros existentes na parede celular das fibras virgens” que nunca secam durante a produção de papel, lê-se no estudo.
Eucalyptus globulus permite 10 ciclos de reciclagem
Particularmente oportuno num contexto em que existe procura crescente de embalagens de papel e cartão como alternativa às produzidas com matérias-primas fósseis, este estudo comparou o potencial da polpa não branqueada de Eucalyptus globulus e de Pinus sylvestris, o pinheiro-silvestre ou pinheiro-de-casquinha, como matérias-primas recicláveis para produção de papel kraftliner castanho – feito a partir de fibra virgem altamente resistente a rasgões e rebentamentos. Foram comparadas as propriedades estruturais, químicas e mecânicas de ambas as fibras, bem como a resistência à compressão e à ondulação aplicadas em papel e cartão.
Nos testes efetuados, as fibras curtas de eucalipto mantiveram a sua resistência durante dez ciclos de reciclagem do papel, enquanto que as fibras longas do pinheiro-silvestre deixaram de apresentar as características morfológicas iniciais ao segundo ciclo.
A Aalto University, da Finlândia, sustentou a metodologia e os resultados obtidos. Testes de rebentamento e de compressão, que comprovam a resistência e o desempenho dos produtos, atestaram que a pasta de eucalipto não branqueada conserva as propriedades funcionais após dez ciclos de reciclagem – e uma melhor matéria-prima dará lugar a produtos de melhor qualidade, resistentes a mais ciclos de reciclagem. Já a pasta não branqueada produzida a partir da fibra longa do pinheiro-silvestre deteriora-se ao segundo ciclo de reciclagem, produzindo-se papel de embalagem de menor resistência.
“Este é um atributo particularmente importante num contexto de economia circular, que vai ao encontro de um modelo económico mais resiliente, ao permitir um uso mais sustentável dos recursos, que podem ser utilizados várias vezes no processo produtivo”, adianta uma nota de imprensa da The Navigator Company.
Além destas conclusões, foi ainda retirada outra: quando comparadas, as pastas não branqueadas de alto rendimento das espécies Eucalyptus globulus (espécie mais comum em Portugal) e Eucalyptus urograndis (híbrido entre o Eucalyptus urophylla e o Eucalyptus grandis, a espécie mais usada na indústria de celulose e papel do Brasil), o eucalipto mais comum em Portugal mostrou-se também mais eficiente sempre que a fibra passa por vários ciclos de reciclagem. Segundo a UBI e o RAIZ, os dados deste estudo serão submetidos em breve para publicação em revista internacional .
Reciclagem de papel em Portugal e no mundo
Segundo dados avançados pelo mesmo estudo, a taxa de reciclagem mundial de papel (rácio entre a reciclagem de papel usado e o consumo de papel e cartão) situou-se nos 58,6%, em 2019, sendo os Estados Unidos (65,7%) e a Europa (72,5%) os principais contribuintes.
Em 2021, 71,4% de todo o papel e cartão consumido na Europa foi reciclado, de acordo com o Relatório de Monitorização do European Paper Recycling Council.
Em Portugal, dados disponibilizados pelo Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens (SIGRE) – através da Sociedade Ponto Verde, em abril de 2023, mostram que no primeiro semestre do ano foram enviadas para reciclagem 36,6 mil toneladas de papel/cartão (mais 9% do que no período homólogo de 2022). O objetivo previsto pelo Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos 2030 (PERSU 2030) é de aumentar de 65% (2022) para 85% até 2030, a preparação para a reutilização e reciclagem de papel.
Refira-se que o papel e cartão têm sido os materiais mais representativos nos resíduos de embalagem da Europa (41,1%), seguindo-se o plástico (19,1%), o vidro (19,1%, a madeira (15,2%) e o metal (5%). Desde 2009 que assim é, sendo que, em 2020, foram gerados cerca de 32,7 milhões de toneladas de resíduos de embalagens de papel e cartão (face a 15,5 mil milhões de toneladas de plástico e 15,2 mil milhões de toneladas de vidro). No mesmo ano de 2020, a taxas de reciclagem de embalagens (considerando os vários materiais) foi de 64% na Europa e 59,9% em Portugal.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.