A Procuradoria-Geral da República moçambicana considerou “absurdo e astronómico” o valor da caução fixada pelo Ministério Público local no diferendo sobre exportação de feijão bóer para a Índia, opondo a RGL ao conglomerado ETG, e ordenou o arquivamento.
Num despacho com data de 15 de janeiro, assinado pela procuradora-geral adjunta Amabelia Chuquela, do Departamento Especializado para a Área Criminal, é decidido “anular as decisões do Ministério Público” de Nacala-Porto nos autos de instrução preparatório deste processo, que há vários meses opõe os dois grupos e que condiciona a exportação de feijão bóer e outros produtos agrícolas a partir daquela localidade portuária do norte do país para a Índia (que compra toda a produção nacional daquele feijão).
No mesmo despacho, a que a Lusa teve hoje acesso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) decide “ordenar que o Ministério Público da jurisdição competente promova a revogação da medida de coação dos arguidos” e “ordenar arquivamento da instrução” por “inexistência de crime”, num processo fortemente mediatizado internacionalmente nos últimos meses.
A Lusa noticiou anteriormente que o líder da ETG, Maheshkumar Raojibhai Patel, chegou mesmo a apelar ao Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, em carta com data de 26 de dezembro, para intervir na “saga do feijão bóer”, em que alegava estar a ser vítima de “expropriação” de carga e bens pela empresa concorrente Royal Group Limitada (RGL).
Em resposta à Lusa, fonte oficial da ETG afirmou antes que a RGL “foi apanhada a enviar produtos OGM para a Índia pelas autoridades indianas há mais de um ano” – em novembro de 2022 – e que “decidiu recuperar as perdas desse incidente iniciando uma disputa infundada” contra aquele conglomerado, que foi “criminalizado com a cooperação de entidades públicas” moçambicanas.
Em outubro de 2022, o Tribunal Provincial de Nampula ordenou a suspensão de todas as exportações da ETG e de outros grupos também acusados pela RGL neste processo de serem os denunciantes às autoridades indianas. No dia seguinte, o Tribunal Judicial da Província de Nampula concedeu à RGL ordem de penhora de bens da ETG, incluindo imóveis e navios, e congelou as suas contas bancárias, aplicando uma fiança de mais de 3.871 milhões de meticais (55,8 milhões de euros).
Esse valor foi garantido com a apreensão de carga, nomeadamente feijão bóer produzido em Moçambique e que a ETG pretendia exportar – tal como a RGL o faz -, com aquele conglomerado a acusar nos últimas dias a RGL de se apropriar da carga e pretender enviá-la precisamente para a Índia.
“Era exigível que os magistrados tivessem fundamentado as decisões de facto quanto no que diz respeito à argumentação jurídica, e por que consideraram inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas de coação menos gravosas”, critica o despacho do Departamento Especializado para a Área Criminal, já que a um representante da ETG chegou a ser aplicada pelo tribunal local a medida cautelar de prisão preventiva.
“Desconhecem-se ainda quais os fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão superior a dois anos, que foram invocados para a imposição da prisão preventiva”, aponta ainda o despacho.
“Depreende-se dos autos que o Ministério Público e o juiz [locais, na província de Nampula] não consideraram inadequadas ou insuficientes, no caso, as outras medidas de coação, pois o primeiro promoveu e o segundo acolheu e decidiu a substituição por caução no valor absurdo e astronómico de 3.871.850.000 meticais”, lê-se ainda.
O despacho da PGR, num processo ainda em instrução, concluiu igualmente pela falta de fundamento da denúncia da RGL sobre crimes de denúncia caluniosa e uso de documento falso, imputados à ETG sobre a alegada exportação de produtos geneticamente modificados para a Índia: “Podemos afirmar que não se reuniram os indícios suficientes com a potencialidade de, deduzida uma acusação, com razoabilidade muito provável, ela culmine com uma condenação”.
“Devolvam-se, urgentemente, os autos à Procuradoria-Geral da república do distrito de Nacala-Porto para cumprimento”, conclui o mesmo despacho.