Não regressámos à monarquia, mas, hoje, sabemos que um dos imodestos ministros deste governo tem-na como referência de boas reformas. Falo do ministro da agricultura que, depois da aprovação do “novo” pacote legislativo de ordenamento florestal, não fez por menos e comparou-se ao rei Dom Dinis.
Este esfuziante “sound byte” de uma das pessoas que costuma ser o ministro da agricultura de serviço de governos socialistas, revela insensatez e insensibilidade. Insensatez porque o problema da floresta não era falta de leis, mas, sim falta da sua boa aplicação. Por outro lado, este senhor fazendo parte da “mobília” política de Portugal, lá se poderia ter contido e percebido que este pacote legislativo é a consequência de uma tragédia histórica. Insensibilidade porque com tanta gente inocente que pereceu ao incêndio do dia 17 de Junho, poderia ter pensado menos nele próprio e guardado os auto-elogios, bem como a comparação com uma reforma que reporta à nossa história medieval.
É o que temos. Merecíamos melhor, mas esta é a classe política possível. Aproveitando o jeito metafórico do auto-elogio do ministro que nos faz recordar a tragédia de Pedrogão e de Castanheira de Pêra, não poderei calar a minha indignação sobre a falta de sentido crítico que os agentes políticos locais e regionais têm demonstrado sobre o verdadeiro problema.
O problema não é o incêndio, a falta de ordenamento florestal, a falta de coordenação das forças de proteção civil ou um sistema de comunicações de emergência que é uma vergonha para quem o contratou. É tudo junto, como consequência de um problema estrutural que tem a ver com os territórios de baixa densidade demográfica. Este problema estrutural de despovoamento não é um problema de Pedrogão ou do Pinhal Interior, é um problema de 2/3 de Portugal. Este é um tema político recorrente que repetidamente os governos dão pouca importância.
É um problema que se relaciona com ordenamento do território, pelo que não se resolverá com pacotes legislativos sectoriais. Independentemente do folclore a que vamos assistindo, nomeadamente alguma falta de transparência sobre a utilização de parte dos donativos que os portugueses enviaram, mostrando a sua solidariedade. É verdade que todo o dinheiro que um determinado governo decide gastar é de todos os portugueses, mas as quantias geradas em donativos merecem, como, aliás, fez a Cáritas, divulgação do método e pormenores de distribuição.
Mas, voltando ao problema de base, em nome da cidadania, clamo aos atores políticos, sobretudo os desta região, que levantem a voz política porque faz falta perceber que há direções gerais que têm de sair de Lisboa, há até porventura secretarias de Estado e determinados Ministérios que poderiam estar nas capitais regionais, desde logo, porque Portugal é um país demasiado pequeno e bem servido de vias rodoviárias, para ter territórios entregues à sua sorte. Não seriam precisos razões tão fortes, mas aquelas mortes daquele dia, deveriam ser a causa nobre de termos vozes políticas que não se limitassem a gerir as consequências básicas do problema, mas que de forma construtiva colocassem na discussão pública que não fi car tudo na mesma, significa um olhar completamente novo sobre dois terços do território continental, dando-lhes mais prioridade.
Aqueles nossos concidadãos, mereceriam essas vozes fortes, não condicionadas, nos municípios, nas comunidades intermunicipais, na assembleia da república ou nas comissões de coordenação regionais. Este é o movimento de fundo que falta porque o momento e a tragédia despertaram esse olhar nos cidadãos portugueses, algo que definitivamente era inexistente, mesmo em muitos famosos fazedores de opinião. Portanto, um projeto piloto até pode ser interessante, mas precisamos que os líderes políticos entendam que isto não se resolve com sentido de sobrevivência, resolve-se com muito sentido de Estado e de nobreza de atuação, fazendo uma verdadeira reforma de administração do Estado. Não precisamos de regionalização, mas, para bem de Portugal, precisamos de muito mais descentralização e de atores políticos mais livres porque, julgo, visão de futuro já devem possuir.