Por decisão do Ministério Público polaco, o Departamento de Combate ao Crime Económico da Polícia Municipal de Katowice instaurou um inquérito sobre suspeitas de crimes de fraude e exploração por parte do proprietário da cadeia de lojas Biedronka, o grupo Jerónimo Martins Polska. A denúncia foi apresentada por Henryk Kania, antigo presidente do conselho de administração da fábrica de processamento de carne Zakłady Mięsne Henryk Kania.
– O modelo de negócio agressivo da Jerónimo Martins consiste em explorar os produtores e fornecedores. Levou à falência uma empresa familiar construída ao longo de duas gerações, fundada pelo meu pai. Com total determinação, assumo a luta pela justiça em nome da empresa Zakłady Mięsne Henryk Kania. Mas também quero lutar em nome dos nossos fornecedores de longa data que em resultado das ações do proprietário da Biedronka, não receberam o dinheiro que lhes era devido e foram colocados numa situação financeira dramática. Eles também são prejudicados pelas ações da Jerónimo Martins – acrescenta Henryk Kania, antigo presidente do conselho de administração da Zakłady Mięsne.
O empresário acusa a empresa Jerónimo Martins Polska de, entre 2016 e 2019, ter abusado da sua posição dominante para impor à Zakłady Mięsne Henryk Kania descontos não acordados nos contratos, no valor de até 70 milhões de zlotys (16,4 milhões de euros) por ano, o que representava até 20% do volume de negócios anual da empresa. Exigiu «penalizações» pelo sucesso na forma de aumento das vendas dos seus produtos. Cobrou à empresa os custos dos seus próprios projetos de marketing, programas de fidelidade e ações no domínio da responsabilidade social das empresas.
A Jerónimo Martins Polska prolongou os prazos de pagamento das entregas para 80 dias, embora, de acordo com a diretiva 2011/7/UE da União Europeia, estes não devessem exceder 60 dias. Aproveitando-se da difícil situação da Zakłady Mięsne, recusou-se simultaneamente a aumentar os preços de compra dos produtos, apesar do aumento repentino dos custos das matérias-primas no mercado. Segundo Henryk Kania, a política agressiva do proprietário da Biedronka foi uma das causas dos problemas financeiros da Zakłady Mięsne, que acabaram por levar à falência da empresa.
De acordo com Henryk Kania, a empresa Jerónimo Martins Polska impôs o fornecimento de mercadorias sob ameaça de penalidades ou mesmo da remoção permanente dos produtos da Zakłady Mięsne das prateleiras da Biedronka, apesar de terem sido desenvolvidos especificamente para as lojas dessa rede – a Zakłady Mięsne Henryk Kania suportou, assim, custos na ordem de milhões de zlotys, não só com a preparação de amostras e, posteriormente, do produto final, mas também com a produção de quantidades significativas de embalagens com impressões individuais.
A denúncia apresentada por Henryk Kania ao Ministério Público Regional em Bielsko-Biała diz respeito a crimes de fraude (artigo 286.º, n.º 1, do Código Penal, relativo à indução outra pessoa a dispor desfavoravelmente dos seus bens) e exploração (artigo 304.º do Código Penal – aproveitamento da situação de vulnerabilidade de outra pessoa na celebração de um contrato).
– Ao estabelecer uma parceria com a Jerónimo Martins Polska, esperávamos um tratamento justo. Reorganizámos a produção e fizemos investimentos para satisfazer as expectativas do nosso parceiro comercial. No entanto, o resultado foi a imposição de descontos sucessivos. As tentativas de negociação foram consideradas «joguinhos» pelos representantes da Jerónimo Martins Polska, que ameaçaram que «o resultado final seria único: a ausência dos produtos Kania nas prateleiras das lojas Biedronka». Quando a Zakłady Mięsne começou a perder liquidez financeira, ignoraram os argumentos de que a concessão de mais um desconto poderia levar à suspensão dos pagamentos aos funcionários – afirma Henryk Kania.
Como ele salienta, Jerónimo Martins aplicou práticas desleais semelhantes a vários outros fornecedores e produtores polacos de produtos agrícolas e alimentares. Já em dezembro de 2020, a Autoridade da Concorrência e da Defesa do Consumidor considerou que o grupo abusava da sua posição contratual em relação a mais de 200 contratantes e aplicou-lhe uma sanção sem precedentes (Decisão da UOKiK n.º RBG-13/2020, de 11 de dezembro de 2020).
– Empenho-me na luta pela justiça em nome de centenas de produtores e fornecedores polacos, prejudicados pela Jerónimo Martins que abusa da sua posição e do seu poder. É prática comum da empresa forçar os seus contratantes a aceitar taxas e descontos não acordados nos contratos, sob ameaça de rescisão dos contratos. O grupo português, que obtém a maior parte das suas receitas na Polónia e que, só nos últimos dois anos, transferiu para o estrangeiro pelo menos 6,8 mil milhões de zlotys (1,6 mil milhões de euros) de lucros, aplica métodos coloniais no mercado polaco. Isto já foi confirmado no passado pela Autoridade da Concorrência e da Defesa do Consumidor polaca – afirma Henryk Kania.
A Zakłady Mięsne Henryk Kania, fundada no início dos anos 90 do século XX como uma pequena empresa familiar em Pszczyna, no sul da Polónia, tornou-se um dos maiores produtores de enchidos do país. Desde 2012, estava cotada na Bolsa de Valores de Varsóvia. No seu auge, empregava cerca de 2000 pessoas. Os clientes da empresa eram as maiores redes comerciais da Polónia e do estrangeiro, como Auchan, Carrefour, E-Leclerc, Intermarche, Lidl, Kaufland e Makro. Os produtos, várias vezes premiados em concursos e feiras do setor, chegaram a quase 7,5 milhões de famílias, ou seja, mais de metade dos lares polacos.
O início dos problemas foi o estabelecimento de uma cooperação com o grupo português Jerónimo Martins Polska, proprietário da maior rede de lojas de descontos na Polónia, operada sob a marca Biedronka. Conta com mais de 3800 lojas. O grupo impôs uma cooperação exclusiva, o que levou à dependência das fábricas em relação a ele. Exigiu os chamados descontos retroativos, que não estavam acordados nos contratos. A consequente queda da rentabilidade e o aumento da dívida contribuíram para a falência da empresa.
Por práticas semelhantes em relação a mais de 200 fornecedores, a Autoridade da Concorrência e da Defesa do Consumidor da Polónia aplicou à empresa Jerónimo Martins Polska uma multa de mais de 506 milhões de zlotys (120 milhões de euros). O problema da utilização, por redes comerciais como a Jerónimo Martins, da vantagem contratual em relação aos fornecedores continua atual. Em setembro, a comissão do parlamento polaco debruçou-se sobre esta questão. Numa reunião com a participação do ministro da Agricultura, foi salientado que os fornecedores dependentes das cadeias comerciais têm medo de denunciar as práticas desleais de que são vítimas, com receio de que os seus contratos fossem rescindidos.
Fonte: Henryk Kania