Reformado e pescador, Manuel Pereira está diariamente na Régua a ver o rio e sentencia que o Douro vem tomar conta do terreno que lhe roubaram, embora, para já, não classifique a subida do caudal como cheia.
“Não, não é cheia nenhuma, O rio vem tomar conta do terreno que lhe roubaram. Este terreno foi roubado ao rio. Antigamente havia pessoas a trabalhar aqui em baixo, fizeram-se as obras, está muito lindo, sim senhor, mas o rio de vez em quando vem cá em cima para tomar conta do terreno que lhe roubaram”, afirmou o pescador de 74 anos, que hoje estava a observar o Douro.
Pelas 23:00 de terça-feira o caudal do rio galgou o cais da Régua, distrito de Vila Real, que funciona como uma espécie de barómetro nesta zona do rio, subindo cerca de 1,5 a dois metros da estrutura do cais e deixando submersos dois edifícios, um bar encerrado há algum tempo e ainda uma loja de artesanato, que também já estava fechada.
O presidente da Câmara da Régua, José Manuel Gonçalves, num balanço feito pelas 11:30, disse que a expectativa, agora, “é de estabilidade do caudal, com alguma tendência para descer”.
“De facto o rio veio às margens, mas a possibilidade efetiva de cheia, e quando digo efetiva de cheia é quando vem cá em cima e ponha em causa pessoas e bens, isso, neste momento, não está em cima da mesa, não é hipótese”, salientou o autarca.
Cheia a “sério” viveu Manuel Pereira na década de 60 do século passado, em que o rio chegou à João Franco, a principal avenida da cidade duriense, e subiu mais ainda.
“Eu em 1962 andei em cima de pipas na rua da Ferreirinha”, recordou.
Para chegar à avenida, o caudal terá que subir mais cerca de seis a sete metros.
José Manuel Gonçalves disse que a barragem a montante da cidade, a de Bagaúste, estava a debitar esta manhã cerca de 1.800 metros cúbicos, “uma diferença significava” dos 5.000 metros cúbicos por segundo necessários “para haver cheia”.
No entanto, frisou que a Câmara, Proteção Civil Municipal e bombeiros estão em “alerta máximo”, a monitorizar permanentemente o caudal e em contacto com as entidades responsáveis pela gestão do rio.
“As pessoas podem estar, para já, tranquilas”, frisou, acrescentando que perante “qualquer alteração a este facto”, serão desencadeados, de imediato, todos “os procedimentos, que já são habituais, de alerta a toda a população”.
A expectativa é “que a tendência seja de redução do caudal que temos, neste momento, no rio e que ele volte ao leito normal”, frisou.
Para o presidente, preocupante é também a situação da Estrada Municipal (EM) 313-1, que liga a barragem de Bagaúste à aldeia de Covelinhas e se encontra cortada ao trânsito desde as 18:00 de terça-feira devido a um deslizamento de pedras de grande dimensão.
Para além das dificuldades de retirada das pedras da estrada estreita e sinuosa, que segue junto ao rio Douro, José Manuel Gonçalves mostrou-se também preocupado com outra pedra de grande dimensão que está em risco de queda.
Antes de reabrir a via será necessário estabilizar ou retirar essa pedra, não havendo, para já, previsões de reabertura da estrada que, enquanto permanecer cortada, vai obrigar a população de Covelinhas a fazer um desvio de alguns quilómetros por Canelas e Galafura para ir para a sede do concelho.
A chuva intensa e persistente que caiu na terça-feira causou mais de 3.000 ocorrências, entre alagamentos, inundações, quedas de árvores e cortes de estradas, afetando sobretudo os distritos de Lisboa, Setúbal, Portalegre e Santarém.
No total, há registo de 83 desalojados, segundo a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), e o mau tempo levou também ao corte e condicionamento de estradas e linhas ferroviárias, que têm vindo a ser restabelecidas.
Segundo a ANEPC, estão “cinco planos municipais de emergência ativos”, quatro no distrito de Portalegre e um em Santarém, mantendo-se em estado de alerta amarelo os planos especiais de emergência para as bacias dos rios Tejo e Douro devido ao risco de cheias.