A Lei de Bases do Clima (Lei n.º 98/2021) foi aprovada por maioria parlamentar há precisamente dois anos (no dia 5 de novembro de 2021). É uma lei de elementar importância, pois proporciona um quadro jurídico essencial para fazer face à escalada da crise climática. A Lei de Bases do Clima deve desempenhar um papel na regulação e mitigação das atividades humanas que contribuem para as alterações climáticas e servir como pedra angular para promover um comportamento ambiental responsável dos agentes na sociedade, contribuindo para a preservação do planeta para os habitantes atuais e futuros.
Contudo, é preciso aplicar esta lei, sob pena de ser letra morta. Neste marco, a ZERO destaca os cinco principais pontos que tardam em ser implementados na lei, traduzindo-se esta apatia por parte do Governo português numa contradição do espírito contido na própria lei, que reconhece a emergência climática e apela à urgência na ação em prol do clima.
- O atraso na apresentação dos Orçamentos de Carbono e planos setoriais. Os orçamentos estabelecem limites de emissões de gases de efeito de estufa para o país, não havendo ainda publicação desses valores para o período 2023-2025 e para o quinquénio 2025-2030. Este atraso é preocupante, na medida em que é fundamental conhecer esses limites nacionais para ajustar a ação climática em concordância. Sem a existência e gestão eficaz destes orçamentos, torna-se ainda mais desafiador alcançar as metas, ficando Portugal climaticamente como um barco sem rumo. De igual modo, os planos setoriais de mitigação e os planos setoriais de adaptação às alterações climáticas para os setores considerados prioritários (Artigo 74.º) ainda não foram sequer apresentados, a menos de dois meses do prazo para a obrigação da sua aprovação por parte do Governo.
- A falta de clareza quanto ao enquadramento da participação pública, que ocupa um lugar central na lei (Artigos 9.º e 10.º), incluindo os cidadãos e as associações de ambiente no planeamento, tomada de decisões e avaliação das políticas públicas. Persiste o atraso na disponibilização da ferramenta digital, o Portal de Ação Climática, o qual deveria estar acessível desde 1 de fevereiro de 2023, permitindo a todos os cidadãos participarem na ação climática, acederem a informação sobre emissões e metas, financiamento para o clima e estudos e projetos relevantes.
- O Conselho para Ação Climática (CAC) tarda em estar operacional. Este órgão consultivo é fundamental para a prossecução dos desígnios da lei, já que tem a responsabilidade de elaborar apreciações e pareceres sobre a ação climática e toda a legislação relacionada. No passado dia 3 de agosto foi promulgado o decreto-lei que estabelece a composição, organização e funcionamento do CAC, estando previsto entrar em atividade a 1 de janeiro de 2024. Contudo, pouco ou nada se sabe sobre quais os prazos e procedimentos inerentes à sua operacionalização, incluindo o seu orçamento e funcionamento dos serviços técnicos e critérios para a nomeação dos membros. Este atraso é particularmente alarmante, na medida em que muitas das disposições contidas na lei dependem de parecer e recomendações deste conselho, o que poderá servir como justificação para atrasos na sua implementação.
- O Orçamento do Estado para 2024 continua a demonstrar uma fraca adequação à Lei de Bases do Clima, representando uma dotação orçamental inferior a 3% da despesa total, não representando, face ao ano anterior, uma melhoria adequada. Para mais, continua a não ser aplicado o chamado IRS Verde (Artigo 30.º), uma categoria de deduções fiscais que serve para beneficiar os contribuintes que adquiram, consumam ou utilizem bens e serviços ambientalmente sustentáveis.
- A falta de apoio no desenvolvimento dos Planos regionais e locais de ação climática. Os Municípios e as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regionais devem apresentar os seus planos de ação climática (Artigo 14.º) até ao dia 1 de fevereiro de 2024, os quais constituem um importante mecanismo para a adequação desta ação à realidade e contexto dos territórios locais. No entanto, pouco ou nenhum tem sido o apoio prestado por parte do Governo central às autarquias na elaboração destes planos, para já não falar do inexistente apoio financeiro e/ou disponibilidade de recursos humanos com formação técnica adequada. A ZERO receia, por isso, que esta lacuna conduza à impossibilidade de muitos municípios virem a apresentar o seu plano na data prevista.
O tempo urge, e a ZERO apela ao Governo para acelerar o passo e agir urgentemente para que a Lei de Bases do Clima não passe de um conjunto de boas intenções, e que Portugal não fique para trás neste longo e exigente caminho que todos temos de trilhar para alcançar a neutralidade climática até 2045.
Fonte: ZERO