Na freguesia de Ossela, que esta madrugada foi uma das mais afetadas pelo incêndio que lavra desde domingo em Oliveira de Azeméis, pedem “uma medalha” para o jovem serralheiro que andou a apagar mato e assim salvou várias casas.
José Santos é o presidente da Junta de Freguesia de Ossela e foi o primeiro a dizer hoje à agência Lusa o que pensava de Fernando Tavares e do seu trator Lamborghini: “O rapaz merece uma medalha de mérito municipal. Andou horas e horas de trator a assapar o mato, salvou a casa dele, a dos pais e a dos avós, e ainda ajudou muitas outras pessoas em volta, ao apagar o fogo nos terrenos mais próximos”.
Numa das ruas de Bustelo do Caima, que beneficiaram desse voluntarismo, ao início desta tarde ainda havia pequenos focos de fogo em terrenos já negros e, enquanto uns bombeiros controlavam as chamas e outros almoçavam debaixo de uma árvore segura, deitados no cimento da rampa de acesso a uma garagem, os moradores das casas ao lado varriam montes de cinza junto ao portão e falavam dos sustos da noite.
“A minha irmã acordou lá pela uma da manhã, ao ouvir um barulho esquisito, e quando foi ver já eram labaredas de fogo a arder perto de casa”, conta Maria Martins Santiago. “Foi uma aflição toda a noite e muito nos acudiu o Fernando, sim senhora, que bem merecia uma medalha por andar aí a arriscar a vida dele só para nos ajudar”, afirma.
Cordato e pronto a arrancar para a zona de Mosteiro de forma a ajudar nas operações nesse lugar, o tão falado jovem de 27 anos exibe o cansaço nos olhos claros e brilhantes. Começou no seu combate ao fogo já sábado, quando houve outro incêndio em Ossela, e, desde então, ao longo de três dias dormiu apenas “umas quatro horas”, ao ritmo de “uma de cada vez”.
A sua intenção inicial era salvar a serralharia da família e impedir que o fogo chegasse às casas de outros parentes. Para isso, subiu para o volante do seu trator Lamborghini de 60 cavalos de 1989 – “outro trator não aguentava isto”, garante – e, atrelando-lhe uma capinadeira florestal de cadeados, percorreu quilómetros de terreno por socalcos estreitos, assapando mato rasteiro em chamas e extinguindo-as sob o peso dos cadeados.
“Logo ao início, a bateria do trator pegou fogo e tive que parar, mas tirei-a cá para fora, apaguei as chamas – que eram de lixo a voar – e encaixei tudo outra vez”, revela, explicando que nestas lides vai sempre munido de um extintor e de dois garrafões de cinco litros de água.
A vizinhança diz que “ele arrisca, mas não é irresponsável”, porque Fernando já foi bombeiro durante sete anos na corporação de Oliveira de Azeméis e só a deixou quando o voluntariado se revelou incompatível com vida profissional e familiar. É dessa costela de bombeiro que lhe sai a energia, quando, depois de tratar dos terrenos mais próximos das casas da família e dos vizinhos, vai abrir mato noutras zonas da freguesia, para facilitar aos bombeiros no ativo a entrada nos terrenos.
Em casa o jovem serralheiro deixa duas meninas pequeninas, com quem a esposa dorme durante a noite, para lhes acalmar o medo gerado pelo crepitar noturno de chamas e floresta. Ela diz que não tem remédio senão deixá-lo ir; ele diz que não consegue ficar parado.
Vai agora aproveitar para dormir? “Não, não não!”, garante Fernando. “Enquanto aguentar, vou continuar, que é o que eu gostava que fizessem por mim se também precisasse de ajuda”, explica.
Belíssima Silva Martins é uma das vizinhas que pela hora do almoço ainda não tinha ido à cama – até pensou “que eram ladrões” quando de madrugada o sobrinho lhe bateu violentamente à porta para garantir que os tios saíam da cama para ficar de vigia ao fogo – e agradece “a estes jovens todos” que ficaram pela sua rua a despejar água sobre terras e casas, mas também tem críticas para desabafar.
“Fartamo-nos de mandar fotografias para a câmara e eles não vêm limpar as silvas coladas a nossa casa, porque dizem que o terreno é de cultivo. Desde quando é que silvado é cultivo?”, questiona. “Dizem-nos para aplicar herbicida, como se isso fosse um grande conselho, e depois querem que a gente vá na conversa de que estão preocupados com a natureza”, acrescenta Maria Martins Santiago.
“Não era melhor mandarem os funcionários deles virem cá cortar isto, nem que tivéssemos que pagar um pequeno imposto para isso?”, propõe a primeira. “Era menos uma cerveja, mas poupava-se esta aflição toda”, defende.
Entre as duas vizinhas e outro casal que se juntou à conversa, o rol de críticas continua: “Estamos sem televisão e sem telefone fixo há mais de três dias e água tem-nos safado a do poço, enquanto ela durar, porque saneamento, aqui, não há nenhum. A Câmara diz que não pode instalá-lo nesta zona nem alcatroar esta estrada porque a Ponte Nova não aguenta o peso das máquinas que teriam que vir cá fazer esse trabalho, mas já não vê problema nenhum quando na mesma ponte deixa passar camiões com atrelados cheios até cima de toneladas de madeira”.
Entretanto, a paisagem de Oliveira de Azeméis continua densamente nublada e voam cinzas mesmo em zonas ainda não tocadas pelo fogo, mas em Ossela não se baixa a guarda. “Foi uma sorte que os bombeiros e o Fernando tenham segurado o fogo esta noite, mas ainda está muito calor e daqui a nada podemos ter isto tudo a arder outra vez”, diz Maria.
Belíssima olha para o céu, já com mais cinza no cabelo branco, e lamenta. “Não se consegue ver nada com este fumo. Mas parece que a chuva nunca vem quando é precisa, não é?”.