Os apoios aos pequenos agricultores afetados pelo grande incêndio que afetou a serra da Estrela ainda não chegaram ao terreno, um ano depois de o fogo ter consumido 28 mil hectares daquele parque natural, afirmam os municípios.
“Os apoios mais precários para as pessoas que fazem uma agricultura familiar, de mil e poucos euros [até 1.200 euros, dados pela Segurança Social] ainda não chegaram, passado um ano”, disse à agência Lusa o presidente da Câmara da Guarda, Sérgio Costa.
A situação é confirmada à Lusa por vários autarcas dos municípios mais afetados pelo incêndio que deflagrou a 06 de agosto de 2022.
Segundo o presidente da Câmara de Gouveia e da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela (CIMBSE), Luís Tadeu, os municípios já alertaram o Ministério da Agricultura para tal situação.
“As pessoas candidataram-se a esses apoios até 1.200 euros, mas mesmo esse pequeno apoio, mesmo para receber uma miséria, é preciso este tempo todo. Se as pessoas estivessem à espera deste dinheiro, estavam desgraçadas”, comentou.
Para o autarca, além destes apoios mais reduzidos, os avisos pensados para ajudas financeiras mais substanciais estão desenhados para projetos de grande dimensão, num território marcado pelo minifúndio e pela pequena agricultura de subsistência ou familiar.
“Os avisos, ao serem efetuados como são, com as exigências que são colocadas, acabam por ter um número muito diminuto de candidaturas. Os pequenos agricultores desistiram de fazer qualquer candidatura, mesmo com as câmaras a disponibilizarem ajuda técnica”, notou.
Também o presidente da Câmara da Covilhã, Vítor Pereira, entende que, “por mais que exista um esforço gigante das juntas e dos municípios em ajudarem as pessoas a recorrerem às ajudas, nem sempre obtiveram o êxito que era pretendido”.
Em Manteigas, houve pessoas “que, simplesmente, abandonaram os sítios onde tinham as suas oliveiras e a sua agricultura”, conta à Lusa o presidente da Câmara Municipal, Flávio Massano.
“Pessoas com 60, 70 ou 80 anos, quando perdem tudo, já não voltam. Temos algumas mais jovens que vão continuar, mas teremos muito mais campos abandonados no futuro do que tínhamos em 2022”, notou, considerando que as ajudas deveriam ser com regras ajustadas à realidade do território.
A agência Lusa falou com os municípios de Celorico da Beira, Manteigas, Covilhã, Guarda e Gouveia, sobre as restantes ajudas de emergência que foram chegando ao terreno.
Os trabalhos de estabilização de emergência estão executados ou em execução, tendo-se seguido as empreitadas associadas à limpeza dos cursos de água, com grande parte das mesmas já contratualizadas ou a iniciar a sua execução.
Mais atrasados, estão os procedimentos relacionados com a reparação da rede viária afetada pelos incêndios, assim como das infraestruturas municipais.
A exigência, para alguns casos, de elaboração de projetos, e a opção generalizada de optar por concursos públicos ao invés de ajustes diretos justifica parte da demora no arranque de várias das empreitadas.
“Hoje em dia, os autarcas estão debaixo de fogo por tudo e mais alguma coisa e, obviamente – até porque estava salvaguardado -, poderíamos ter recorrido a ajustes diretos, mas os autarcas não embarcaram nessa bitola, porque depois somos postos em causa quando recorremos a esse mecanismo”, disse à Lusa o presidente da CIMBSE.
Luís Tadeu vincou que os municípios, de forma generalizada, “optaram por concursos públicos”, o que atrasou alguns processos.
O presidente da Câmara de Manteigas considera também que, no caso da reparação das vias, não há condições para avançar com a empreitada no concelho.
“Não posso executar tal contrato, enquanto tenho todas as minhas encostas a serem percorridas por camiões, a estragar as estradas, a carregarem madeira queimada e ainda há milhões de toneladas de madeira para retirar. Seria contraproducente avançar já com essa empreitada”, justificou.
Flávio Massano considera que o balanço dos apoios neste primeiro ano “não pode ser positivo”, recordando que a estrada nacional 338 continua encerrada ao trânsito, o concelho não recebeu ajuda pelas enxurradas que sofreu em outubro e os apoios previstos para a recuperação das linhas de água não cobrem a despesa.
Também a comparticipação do Fundo de Emergência Municipal para as empreitadas relacionadas com infraestruturas das autarquias fica longe de cobrir a maioria do valor que será gasto, notou o autarca de Manteigas, numa crítica também secundada pela Câmara da Guarda.
A agência Lusa procurou obter esclarecimentos junto do Ministério da Segurança Social relativamente aos apoios aos agricultores, mas não recebeu qualquer resposta.
O grande incêndio na serra da Estrela deflagrou no dia 06 de agosto em Garrocho, no concelho da Covilhã (distrito de Castelo Branco) e rapidamente alastrou a outros concelhos da zona da serra da Estrela, tendo consumido 28 mil hectares do Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE).