António Coutinho formou-se em Engenharia Civil no Técnico e especializou-se em Investigação de Operações. Passou pela consultoria antes de entrar na EDP, onde se estreou em 2003, à frente da área de Planeamento Estratégico. Na energética, liderou as Renováveis nos EUA e integra a administração desde 2010. Nos últimos dois anos tem sido a cara da Inovação na EDP.
Conhecemos nesta semana o Repower EU, programa energético da UE para a independência energética. São 300 mil milhões para implementar reformas massivas até 2027. Isto é exequível?
Tudo o que temos de fazer até 2050 é muito exigente. Em energia, todas as coisas demoram muito tempo pela sua própria natureza. Se 2050 em energia é já amanha, 2027 é daqui a uma hora. Há uma necessidade geoestratégica de acelerar processos e havendo alinhamento com a transição estamos a antecipar essa transformação, que exige mobilizações de capital bastante intensas para acelerar o processo. Os agentes de mercado estão muito empenhados em fazer acontecer a transição energética. Se olharmos os números de investimento, globalmente estão a crescer há 20 anos – a transição energética não é de agora – e no ano passado houve um investimento de 755 biliões de euros nisto. Mas isto vai exigir também, mais do que vontade dos agentes de fazer acontecer os investimentos, um conjunto de coisas do ponto de vista da legislação, do licenciamento. Há interesse para investir em inovação, mas há dificuldades de obter licenciamento e ligação à rede para os fazer. Temos de desbloquear esses aspetos.
Não chega o pacote financeiro sem outro tipo de medidas.
Sim, financeiramente ajuda bastante, sobretudo quando as coisas ainda estão em desenvolvimento tecnológico, comercial, mas não é só essa a questão. É muito mais.
É possível atingir a meta de 45% de renováveis até 2030, como disse Ursula Von Der Leyen?
É muito importante haver alinhamento de interesses; ter objetivos definidos de forma quantitativa permite aferir se estamos no bom caminho e a tempo de o corrigir. Mas é exigente. É importante ter objetivos quantificados para aferir se estamos no caminho certo e fazer este alinhamento de todos os stakeholders da sociedade.
Dizia há dias numa conferência que se o petróleo acabasse de repente morríamos todos à fome. A Europa está a mexer-se rápido o suficiente para se transformar enquanto se reindustrializa e ganha independência energética?
Isso é extraordinariamente importante. A maioria das pessoas responde a essa questão que deixava de andar de carro – e uma já me disse que não aconteceria nada porque andava de elétrico. E eu tenho de dar a má notícia de que morreríamos à fome – e ao frio -, porque precisamos do petróleo para criar fertilizantes, para as torres andarem, para mobilizar água, para trazer comida para próximo dos consumidores.
Há pouca perceção da sociedade.
Sim, e eu toco nisso e depois noutra coisa: mostro uma foto antiga de pessoas a cavar a terra para ilustrar como, antes da industrialização da agricultura, colocava-se uma unidade de energia da terra, a cavar, e tirávamos três a cinco em alimento. É um rácio pequeno e que obrigava a que toda a família trabalhasse a terra. Foi só quando começamos nas outras transições energéticas, em que começámos por usar carvão, depois petróleo e gás, que se deu o maravilhoso que é a atual civilização. O primeiro bilião de pessoas demorou 1,8 biliões de anos a aparecer, o segundo 130 anos, o terceiro 70, o quarto 30 e agora de 15 em 15 acrescentamos um bilião. E isto resulta de termos energia que muitas vezes nos parece cara mas nunca foi tão barata face ao passado. O que temos de fazer agora é em 30 anos, mais do que somar uma transição energética, alterar tudo, acabar com os combustíveis fosseis.
É uma quebra total.
Isso, vamos ter de reduzir o consumo e eletrificar o consumo. Porque as renováveis elétricas são a forma de produzir energia mais barata e em escala. O consumo elétrico só representa ainda 22% do consumo energético. Quer dizer que se produzíssemos só eletricidade com renováveis só estaríamos a descarbonizar 20% da economia – é curto. Temos de eletrificar a economia para podermos colocar mais renováveis, que nos permitam deslocar de carro de forma sustentável, aquecer as casas, com o sol, a água e o vento. É esse o desafio da transição energética, depois de percebermos com a pandemia que queríamos ter outro futuro, sobretudo para os nossos filhos e netos, claramente mais sustentável.
Estamos a atravessar uma crise energética profunda, piorada pela inflação, interrupção de cadeias logísticas, falta de matérias-primas… como é que tudo isto impacta nessa transição?
A transição é desafiante por ela própria e depois temos estes temas que aumentam a dificuldade. Mas vamos aos intrínsecos à transição: tomemos uma tecnologia que cresce cada vez mais e é sustentável, que é a mobilidade elétrica. Cada carro a gasolina ou gasóleo que vendemos estará 15 anos dentro da frota, ou seja, se em 2023 dissermos que não há mais carros térmicos, só em 2038 teremos 100% de carros elétricos. E para dizer que em 2030 queremos […]