Muitos dos fenómenos e recordes climáticos deste Verão eram previsíveis, dizem os investigadores. Mas há surpresas e preocupação pelo que está a ocorrer e pelo que aí vem se não mudarmos de rumo.
As fotografias de casas carbonizadas na ilha de Maui, no Havai, de turistas em fuga de Rodes, na Grécia, e das cheias que assolaram a China são imagens difíceis de ser contidas no meio do rol de desastres dos últimos meses. Ao longo de um Verão permeado por ondas de calor, secas e recordes de temperatura, a crise climática vai mostrando a sua pior face, dando chão para a morte de centenas de pessoas. Mas há uma simplicidade agónica na fila de carros que comanda uma fotografia tirada por estes dias, no Canadá, que parece falar sobre um novo tempo.
Yellowknife, uma cidade de 20.000 habitantes que é a capital dos Territórios do Noroeste, teve de ser evacuada. Os incêndios florestais no Canadá, que este ano já consumiram uma área equivalente a um Portugal e meio — devido à seca e às altas temperaturas —, podem atingir aquela povoação neste fim-de-semana, por causa de uma mudança na direcção dos ventos. Temendo a situação, as autoridades canadianas ordenaram a saída das pessoas até às 19h (hora de Lisboa) desta sexta-feira.
Os aviões foram um dos modos de fuga. Outro foram os carros. Na imagem captada por Pat Kane, fotógrafo da região, um bosque de coníferas rodeia a estrada, ocupada por veículos que se estendem ao longo de uma das faixas. Perante a ameaça dos incêndios, não é possível determinar o destino daquelas árvores, assim como não se pode antecipar o futuro da cidade. Mas a fotografia transmite um silêncio na fila interminável de veículos, só suplantado pelo silêncio ainda maior da faixa de rodagem oposta, vazia. É como se, num mundo em mudança, não houvesse a possibilidade de um caminho de volta.
“Estamos a viver em tempo real os efeitos que as alterações climáticas estão a produzir”, diz ao PÚBLICO José Álvaro Silva, climatologista que trabalha para a Organização Mundial de Meteorologia (OMM). “Há cerca de três anos que tenho estado a colaborar nos relatórios anuais do clima da OMM — todos os anos temos imensos extremos para reportar em todo o mundo. Este ano é apenas mais um de uma tendência”, garante.
Ainda assim, há alguns extremos que falam mais alto. Julho passado foi o mês mais quente de sempre à superfície da Terra, desde que se faz um registo das temperaturas. A temperatura média atingiu os 16,95 graus Celsius, de acordo com as contas do programa Copérnico, 1,5 graus mais quente do que a média dos meses de Julho de 1850 a 1900, período considerado um equivalente ao pré-industrial (já se tomarmos como média as temperaturas do século XX, o valor é 1,12 graus a mais).
No início de Agosto, como tem sido seu apanágio nos últimos anos, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, reagiu a este novíssimo recorde. “A era do aquecimento global terminou; a era da ebulição global chegou”, declarou Guterres, numa conferência de imprensa. Há “crianças arrastadas pelas chuvas de monção, famílias a fugir das chamas [e] trabalhadores a sucumbir ao calor abrasador”, descreveu, sentenciando: “As alterações climáticas estão aqui. São aterradoras. E isto é apenas o começo.”
A caminho do Pliocénico
A acumulação na atmosfera de dióxido de carbono (CO2) e de outros gases com efeito de estufa, como o metano, devido à contínua emissão daqueles gases desde o início da industrialização, é responsável por aquele aumento das temperaturas terrestres.
No século XVIII, antes do início da Revolução Industrial, a concentração de CO2 na atmosfera seria de 280 partes por milhão (ppm) por volume. Em 1990, aquando da publicação do primeiro relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, sigla em inglês) — um organismo incontornável que analisa e compila o conhecimento científico produzido na área do clima para informar os governos e os cidadãos —, esse valor já tinha ultrapassado o patamar dos 350 ppm.
O relatório do IPCC trazia algumas projecções, como a concentração futura de CO2 e a evolução da temperatura. No cenário sem controlo das emissões, em que as atitudes em relação às alterações climáticas permaneceriam na mesma — o chamado “business as usual” —, a projecção de CO2 para 2020 andaria pelos 425 ppm. Apesar de aquele cenário não se verificar, de lá para cá há países que têm feito um esforço para reduzir as suas emissões, o valor estimado não está muito acima do real. Em Janeiro deste ano, a concentração de CO2 era de 418 ppm, um aumento de quase 50% em relação aos valores pré-industriais.
A última vez em que a atmosfera teve uma concentração superior a 400 ppm de CO2 foi no Pliocénico, entre há 5,3 e 2,6 milhões de anos, quando o planeta era dois […]