O presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) defendeu que a Concertação Social funciona e que não tem a ambição de substituir o Governo ou o parlamento, apesar de, por vezes, ser usada como um “compromisso de calendário”.
“Nós não queremos, de maneira nenhuma, que a Concertação Social seja um substituto do Governo e menos ainda do parlamento, mas estamos a confundir as coisas. Se a Concertação Social é um local para as pessoas serem informadas de decisões, então não se lhe chame Concertação Social”, apontou o presidente da CAP, Eduardo Oliveira e Sousa, em entrevista à Lusa.
Para o líder da confederação dos agricultores, a prova de que a Concertação Social funciona é o facto de ter sido possível estabelecer um acordo de estabilidade e rendimento, depois de um ambiente “de alguma tensão” relacionada com a Agenda do Trabalho Digno.
Em 2021, os patrões, nomeadamente a CAP, a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) e a Confederação do Turismo de Portugal (CTP), suspenderam a sua participação na Comissão Permanente de Concertação Social, acusando o Governo de desrespeitar este órgão.
“O copo transbordou” perante a Agenda do Trabalho Digno, cujo nome, desde logo, foi contestado por dar a entender que pode haver outro tipo de trabalho (que não seja digno).
Eduardo Oliveira e Sousa notou que o documento tinha uma carga “relacionada com a chamada ‘geringonça’” (coligação de partidos de esquerda), criando a perceção “de que se estava a dar um passo maior do que a perna e numa perspetiva de que tudo o que estava feito na sequência da ‘troika’ tinha que ser pura e simplesmente anulado”.
Porém, a CAP garantiu concordar com muitas matérias daquele pacote legislativo, embora outras sejam mesmo “linhas vermelhas”, mas o Governo demonstrou inflexibilidade.
“Quando nós dissemos que estes assuntos não podem ser colocados desta maneira, o que aconteceu é que a seguir ainda foram colocados outros que, ainda por cima, não tinham sido sequer levados à Concertação Social, nem sequer a título informativo”, o que levou os patrões a abandonarem, temporariamente, este órgão, explicou, garantindo que só voltaram após o primeiro-ministro, António Costa, ter vindo a público pedir desculpa.
O presidente da CAP, que deixa o cargo esta semana, depois de seis anos à frente da confederação, disse ainda que a Concertação Social, por vezes, é utilizada para “estabelecer uma espécie de compromisso de calendário, o que não pode acontecer”, defendendo que este órgão tem que ser o “verdadeiro espelho da negociação entre quem emprega e quem trabalha”.
No que se refere, em particular, à discussão sobre os salários, Eduardo Oliveira e Sousa assegurou que os patrões, ao contrário do que se tende a pensar, são os primeiros a querer aumentar salários, mas sublinhou que “o grande consumidor” dos recursos que saem das empresas é o Estado.
Isto, segundo a CAP, leva a que as empresas tenham que se endividar para investir, o que aumenta a carga fiscal e dá a origem a uma “economia débil, que não suporta salários elevados”.
Contudo, o Governo “insiste em manter uma carga fiscal elevada” porque tem uma “máquina burocrática perfeitamente desajustada”, onde a própria administração pública devia ser mais “eficaz e eficiente”.
A isto soma-se o “exagero de se querer moldar os hábitos da sociedade àquilo que é o pensamento do Governo”, limitando a liberdade dos cidadãos, impedindo que a economia nacional evolua, acrescentou.
Mais recentemente, em março, a CAP, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) e o Governo assinaram um pacto para a estabilização e redução dos preços dos bens alimentares, que prevê, entre outras medidas, a aplicação de IVA 0% a um cabaz de produtos essenciais.
O presidente da CAP afirmou que, de alguma maneira, a medida está a ter o efeito previsto tendo em conta que, independentemente do valor dos produtos, existe um montante que o consumidor acaba sempre por não gastar.
No entanto, avisou que não é possível baixar os preços dos produtos, se os custos de produção continuarem altos, como os combustíveis ou fertilizantes.
Acresce ainda o facto de grande parte dos produtos que estão a ser consumidos agora ter sido produzida antes do acordo.
O líder da CAP defendeu ainda que o pacto, apesar de não ser suficiente devido ao nível da inflação, é “um sinal de que existe uma certa preocupação”, notando que agora tem que haver uma segunda ajuda para os portugueses que “verdadeiramente estão a passar mal”, trabalho que tem que ser feito pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social, tendo em conta que o IVA 0% é uma medida igual para todos.
“Portugal tem vindo a empobrecer queiramos ou não. Temos quatro milhões de pessoas com índices de pobreza, alguns verdadeiramente pobres e outros próximos da pobreza. Portanto, há qualquer coisa que não está bem nesta economia”, concluiu.