Eram horas de jantar e eu estava cansado. Cansado com o trabalho do dia e a rega dos últimos dois meses, Julho e Agosto. Num ano normal teria publicado a foto e perguntado na legenda se estavam cansados como eu. Não perguntei. Lembrei-me que podia ter como resposta “quem me dera ter água para me cansar a regar”. Tenho que dar graças.
Não estamos num ano normal, num ano daqueles com chuva no fim de agosto que nos permite parar de regar. Faltam duas semanas para ensilar o milho e ainda não posso desligar as regas. Há um campo arenoso que já costumava ser assim, eu até costumava dizer que só podia tirar a máquina de rega por um lado quando a máquina de ensilar entrava pelo outro, mas as restantes parcelas não eram assim.
Apesar de termos algumas pontas e margens mais secas, que não conseguimos regar quando necessário, temos tido sorte. Amigos e familiares nas redondezas já tem os poços secos, mas os nossos ainda tem água.
Dizem-nos que poderá ser o ano mais seco em 500 anos. Há seca nos Estados Unidos, Canadá, China. Nos rios da Europa já se veem as “pedras da fome”, aquelas que ficam à vista quando falta a água e significa que pode faltar a comida. Na França e na Inglaterra colheram-se campos de milho sem espiga. O Norte da Europa que gastava menos água porque não precisava de regar percebe agora porque temos de regar em Portugal e nos outros países do sul da Europa.
Fala-se em seca e fala-se nos consumos de água pela agricultura, mas a agricultura transforma água em comida. Querem comer ou ficar só com água? A água que não é usada pelas plantas ou animais evapora-se para a atmosfera ou infiltra-se na terra. A água que não vai nos alimentos (leite e carne) é excretada pelos animais, armazenada nas fossas e devolvida à terra. Os agricultores pagam pela água dos regadios, pagaram pelas captações que fizeram e pagam muito caro pela energia necessária para bombear a água de rega. Nenhum agricultor normal vai querer regar em excesso com os custos atuais.
Teremos de procurar água, armazenar água, poupar água e, se necessário, estabelecer prioridades, mas não façam da água mais um tema de ataque contra os agricultores. Além da seca e da rega, também já estamos cansados desses ataques.
#carlosnevesagricultor
O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.