A agricultura não pára, diz a CAP, e ainda bem. Mas a CAP resolveu convidar-nos a parar para pensar – e também fez muito bem. Ao fazê-lo, contribui não apenas, com um conjunto alargado de sugestões e propostas, para a recuperação económica, mas vai muito além, confrontando-nos com questões vitais que dizem respeito, não só àquilo que comemos, mas àquilo que somos.
Como se diz, somos aquilo que comemos. E o que nos chega ao prato palmilha um longo percurso, que começa no prado. Repensar criticamente este percurso, valorizando a sustentabilidade alimentar, é o objectivo da “Estratégia do Prado ao Prato para um sistema alimentar justo, saudável e respeitador do ambiente” lançada pela Comissão Europeia e alinhada com a meta de redução das emissões de gases de efeito de estufa para 55 % em relação aos níveis de 1990.
É neste contexto de políticas públicas europeias, e no quadro conceptual de uma economia circular de base biológica, que agricultura, energia e clima se reencontram e cooperam, na busca e na concretização de ligações virtuosas. Hoje, como muito bem escreve a CAP, há que promover a utilização de energias renováveis, num “quadro que permita o aproveitamento eficiente e integral dos recursos energéticos endógenos associados à agricultura, à floresta e à pecuária, possibilitando a partilha da energia eléctrica e da energia térmica daí resultantes com instalações vizinhas”.
A difusão de tecnologias limpas de geração de electricidade, nomeadamente solar e eólica, de armazenamento distribuído de energia térmica e eléctrica, de mobilidade eléctrica, de sistemas de controlo local integrado dos recursos energéticos com capacidade de antecipação das condições meteorológicas e de gestão da procura, permitem a gestão eficiente dos recursos por comunidades locais. Elas podem e devem ser o centro da recuperação económica alinhada com o pacto ecológico. É necessário confiar-lhes autonomia na gestão dos recursos energéticos locais, inventando as formas de partilha – cooperativa, comercial e não comercial – mais adequadas a cada região. Para isso é necessário modificar o quadro legislativo – muitas vezes, e é o caso da energia, herdeiro de paradigmas centralizados e centralizadores – e o quadro regulamentar – que tenta manter em vida modelos obsoletos. Modelos que ignoram o princípio da subsidiariedade e a sua força ideal, assim como o poder factual da digitalização em geral e da digitalização da energia em particular.
Hoje, por exemplo, o princípio da perequação tarifária, com as consequências regulamentares que daí decorrem, é objectivamente uma barreira à eficiência económica, à racionalidade ambiental e à justiça social. É necessário passar, rapidamente, de um paradigma de silos regulamentares a uma regulação holística da economia circular.
Portugal precisa dos recursos energéticos da agricultura para alcançar, com eficiência económica e inovação social, a descarbonização da energia.
* O autor escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico
Jorge Vasconcelos, Presidente da NEWES – New Energy Solutions, Professor do Instituto Universitário Europeu, em Florença, e autor do livro “A Energia em Portugal”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
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