Segundo o boletim intercalar do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), na primeira quinzena de Abril, aumentou para quase 78,2% a área de Portugal continental em seca meteorológica: 28,3% em seca fraca, 21,2% em seca moderada, 18,6% em seca severa e 10,1% em seca extrema. No fim de Fevereiro, 28% do território estava em seca meteorológica e no fim de Março atingiu 48%.
De acordo com o IPMA, «as temperaturas acima do normal que se sentiram desde o início do mês, associadas a uma precipitação muito abaixo do normal em todo o território, provocaram uma diminuição significativa da percentagem de água no solo, tendo as regiões Nordeste, o Vale do Tejo e o Baixo Alentejo registado valores inferiores a 20% de água no solo em relação à capacidade de água utilizável pelas plantas». O IPMA salienta que a seca meteorológica se estendeu até à região Centro e ao interior Norte e que «na região Sul agravou-se a intensidade, predominando as classes de seca severa a extrema».
Neste contexto, a Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo (FAABA) enviou esta semana uma carta, assinada por Rui Manuel Inácio Garrido, presidente da Direcção, à ministra da Agricultura e Alimentação, Maria do Céu Antunes, divulgada em comunicado a 27 de Abril e que reproduzimos abaixo.
«Excelência,
Depois de um Inverno com níveis de precipitação que faziam antever um bom ano agrícola, as temperaturas anormalmente altas e a escassez de chuva dos últimos meses, a somar aos danos provocados pela seca de 2022, estão a gerar uma situação de seca ainda mais grave.
A perda total das pastagens, forragens e cereais é praticamente irreversível. De referir que, as situações climáticas favoráveis no Outono levaram os agricultores a realizar mais investimentos com as culturas de Outono-Inverno, porque se antevia uma campanha promissora, com as pastagens, forragens e cereais a terem emergências regulares e bom estado vegetativo. Infelizmente o que já estamos a observar no terreno é que estas forragens e cereais ou já estão secos, ou estão a secar, levando a uma produtividade praticamente nula, tanto mais, que as previsões metereológicas para os próximos 15 dias apontam para tempo quente e seco.
Actualmente, as reservas de alimentos para a pecuária são escassas ou quase nulas e a possibilidade de encontrar palha ou feno no mercado é extremamente difícil e com preços bastante altos. Isto, associado ao custo das rações, está a levar muitos agricultores a reduzir ou mesmo acabar com os seus efectivos pecuários. Tal como no ano passado, os factores de produção mantêm preços extremamente elevados.
No caso dos olivais de sequeiro, era também esperado para 2023, um ano de safra, com boa produção, mas perante este cenário de clima adverso tal não irá certamente acontecer em toda a região do Alentejo.
Para o montado de sobro também se antecipam dificuldades maiores do que o ano passado – ou seja, mais um ano sem extracção de cortiça, alongando o ciclo de tiragem para 11 anos, com uma quebra de rendimento significativa dos subericultores.
Em resumo, em 85% do território agricultável Alentejano, não haverá nem pastagens, nem forragens, nem cereais, nem azeitona, nem cortiça, pondo em causa a sustentabilidade deste mundo rural interior.
Relativamente às reservas hídricas para o regadio, os casos mais dramáticos são a bacia do Sado e do Mira, com as barragens do Monte da Rocha e Campilhas praticamente ao nível do volume morto e a de Santa Clara já há três anos abaixo deste nível. A Associação de Beneficiários de Campilhas e Alto Sado viu-se obrigada a duplicar o preço da água na presente campanha, aos poucos agricultores que podem regar, para tentar evitar a sua falência, uma vez que a água provém exclusivamente do Alqueva. No caso das Associações de Beneficiários do Roxo e de Odivelas, os preços da água já vêm sendo ajustados há mais tempo, sendo que a actual campanha de rega – tal como tem acontecido nos últimos anos – também dependerá quase exclusivamente da água proveniente do EFMA.
A situação da Associação de Beneficiários do Mira merece particular atenção. Para além dos problemas com a falta de água, acresce ainda um diferendo com a tutela, de difícil resolução, entre o que são as decisões da sua Direcção e da sua Assembleia Geral relativas ao rateio da água e o que são as orientações do Ministério. A tutela pretende, inclusivamente, demitir a actual Direcção, visto que esta tenciona distribuir a água de uma forma equitativa pelos seus associados, beneficiando a maioria, decisão aprovada em Assembleia Geral, e não apenas uma minoria, que viu, inclusivamente, as suas culturas serem promovidas a permanentes pela tutela. Tal como as Câmaras Municipais de Odemira e Aljezur, também a FAABA se solidariza e apoia as decisões tomadas pelos associados da AB Mira, em sede de Assembleia Geral.
Considerando as situações descritas, vem a FAABA propor as seguintes medidas:
- Reconhecimento formal da situação de seca em toda a região, o que permitirá acesso aos instrumentos derrogatórios previstos na legislação, muito particularmente no PEPAC;
- Definição de um conjunto de apoios directos aos animais e às culturas, como forma de garantir a manutenção da actividade agrícola e evitar uma escalada nos preços dos alimentos ao consumidor;
- Antecipação das ajudas de 2023;
- Autorização de pastoreio e corte de forragem nas superfícies de interesse ecológico;
- Apoios em sede fiscal como forma de reduzir impostos, nomeadamente a suspensão das contribuições à Segurança Social, com o objectivo da manutenção dos postos de trabalho;
- Manutenção do preço da água do EFMA para a presente campanha;
- Aplicação do Artigo n.º 55, do Decreto-Lei n.º 86/2002 de 6 de Abril, que prevê o apoio do Estado às Associações de Beneficiários de rega penalizados pela ocorrência de situações climáticas extremas.
• Adaptação das dotações de rega preconizadas pela EDIA para as diferentes culturas, às necessidades do ano em curso.»
O artigo foi publicado originalmente em Revista Frutas Legumes e Flores.