A ZERO, juntamente com membros da comunidade local, irá realizar amanhã, dia 23 de julho, às 10 horas, uma ação simbólica para apresentar a certidão de óbito da Ribeira de Rio de Moinhos, em Abrantes. Este evento, que irá simbolizar a morte ecológica do curso de água, tem o objetivo de chamar a atenção para os graves impactes ambientais resultantes do projeto de suposta requalificação da ribeira, que teve início em outubro de 2023 e que resultou na completa descaracterização das áreas.
Milhões de euros para destruir em vez de reabilitar
Em finais de novembro de 2021, a Agência Portuguesa do Ambiente subscreveu um Protocolo de Colaboração com o Município de Abrantes, tendo em vista a execução da Operação Integrada de “Reabilitação da rede hidrográfica da ribeira de Rio de Moinhos com soluções de engenharia natural, e permitir diminuir a zona ameaçada pela cheia”, o que permitiu viabilizar uma candidatura do Município ao “Apoio à Transição Climática, Reabilitação da Rede Hidrográfica, Eixo VII- REACT-EU FEDER”, em sede do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização COMPETE 2020.
O Município de Abrantes adjudicou os “Estudos Hidrológicos e Projetos de Requalificação de Linhas de Água – Abrantes” à empresa TPF-Consultores de Engenharia e Arquitetura, S.A., representando um investimento de 2 milhões e 747 mil Euros, dos quais dois milhões de euros seriam comparticipados pelo COMPETE 2020. Contudo, o montante total pago pelo COMPETE 2020 foi de 1.096.473,77 Euros, correspondente às despesas realizadas e pagas pelo Município de Abrantes até 31 de dezembro de 2023, data-limite de elegibilidade temporal das despesas pelo FEDER no âmbito da iniciativa REACT-EU, ficando a conclusão da operação à responsabilidade financeira do Município de Abrantes, um valor superior a um milhão e meio de euros.
Perversão dos objetivos de reabilitação com recurso a soluções de engenharia natural na origem da contestação ao projeto
A intervenção previa efetuar a requalificação ambiental e ecológica de um troço de quase cinco quilómetros daquela ribeira, entre Aldeia do Mato e a aldeia ribeirinha de Rio de Moinhos, junto dos aglomerados populacionais de Pucariça, Arco, Aldeinha e Rio de Moinhos, e que de acordo com projeto de execução seria efetuada “segundo as boas práticas de reabilitação de cursos de água com recurso à aplicação de técnicas de engenharia natural e de renaturalização do ecossistema ribeirinho”. O objetivo era repor as condições de serviço das infraestruturas danificadas pela passagem da tempestade ‘Elsa’, em dezembro de 2019. No entanto, a intervenção tem sido alvo de profunda insatisfação de cidadãos locais, em particular do movimento de cidadãos “Salvar a Ribeira”, por entenderem que as intervenções apresentam graves problemas, comprometendo os pressupostos do projeto.
A ZERO considera que as obras em curso representam uma total perversão dos objetivos de reabilitação da rede hidrográfica com recurso a soluções de engenharia natural, designadamente porque o projeto:
- Não teve uma avaliação completa da situação de referência, focando-se apenas na componente de risco de cheia de forma insuficiente;
- Excluiu o troço final da ribeira, que atravessa a povoação de Rio de Moinhos, uma área crítica segundo Diretiva Inundações e que agora fica ainda mais ameaçada;
- Destruiu cerca de 40.000 m2 de Reserva Agrícola Nacional;
- Procedeu a aterros e escavações que totalizam mais de 10 hectares de Reserva Ecológica Nacional;
- Promoveu uma artificialização das margens da ribeira com milhares de toneladas de pedra e muitas toneladas de plástico (tela de 100% polipropileno);
- Alargou o leito da ribeira de 2 metros para 5 e 7 metros, com eliminação de toda a vegetação ripícola existente;
- Rebaixou do leito da ribeira em cerca de 2 metros em toda a extensão da intervenção;
- Criou um novo traçado com muitos dos seus meandros a serem linearizados tendo sido criadas margens artificiais com gabiões de pedra transportada de outros locais, materiais plásticos “geotêxtil”, que de modo algum podem ser apelidados de “engenharia natural”;
- Promove a expansão de espécies invasoras, visível pela presença de cana (Arundo donax) no meio de enrocamento e gabiões nas margens e leito;
- Alterou o traçado da ribeira, ampliando largamente o domínio hídrico e impondo novas obrigações de manutenção da ribeira aos proprietários, enquanto subtrai áreas agrícolas.
Diante deste cenário, a ZERO considera que houve uma utilização indevida de fundos comunitários para fins diferentes dos previstos na candidatura, apelando às autoridades competentes para que tomem medidas urgentes para mitigar os danos causados e implementar um plano de recuperação ambiental da ribeira. Além disso, é crucial uma reflexão sobre as práticas de gestão hídrica em Portugal, garantindo que futuras intervenções desta natureza respeitem e preservem os ecossistemas naturais.
A ZERO enfatiza a necessidade de uma participação ativa das comunidades locais nos processos de tomada de decisão e a aplicação efetiva de soluções de engenharia natural que promovam um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.
Fonte: ZERO