Em fevereiro, a Comissão Europeia apresentou propostas para simplificar a regulamentação ESG (Ambiental, Social e Governação) aplicável às empresas, no denominado “Pacote Omnibus”.
Estas medidas surgem na sequência de um diagnóstico relativo à burocracia existente na União Europeia e respetivas implicações na competitividade da economia. As propostas abrangem o relato de sustentabilidade, o dever de diligência, a taxonomia ambiental, o mecanismo de ajustamento carbónico transfronteiriço e o programa de investimento da Europa.
O objetivo é otimizar as obrigações de relato de sustentabilidade, reduzindo os encargos administrativos para as empresas, sobretudo para as PME, sem comprometer os objetivos estratégicos do desenvolvimento sustentável da economia europeia, designadamente os do Pacto Ecológico Europeu.
Uma das medidas, já aprovada pelo Conselho e o Parlamento Europeu em abril, estabelece um mecanismo suspensivo que adia os prazos do relato de sustentabilidade (CSRD1) e da aplicação do dever de diligência das empresas (CSDDD2), bem como o prazo de transposição pelos Estados Membros.3
As opiniões dividiram-se rapidamente: para alguns, é um retrocesso na valorização da sustentabilidade como motor de criação de valor; para outros, é uma forma de descomplicar uma regulamentação considerada densa e complexa. Estas perspetivas também variam consoante o grau de maturidade das empresas na integração da sustentabilidade no modelo de negócio e na gestão de riscos, impactos e oportunidades ligados às dimensões ESG — Ambiental, Social e de Governação.
O que muda para já?
Este primeiro pacote aprovado adia por dois anos a aplicação dos requisitos de relato de sustentabilidade para grandes empresas que ainda não iniciaram o processo, bem como para as PME cotadas. Empresas com mais de 250 trabalhadores reportarão em 2028, relativamente ao exercício anterior. No caso da diretiva de dever de diligência, o prazo de transposição e a fase inicial de aplicação foram adiados por um ano.4
As empresas focadas apenas no cumprimento da regulamentação poderão sentir algum “alívio”. Já para aquelas que apostam na sua resiliência e prosperidade futura, pouco ou nada muda: continuarão a integrar a sustentabilidade na estratégia de negócio e a preparar os sistemas de reporte. A vantagem está no tempo adicional para se organizarem e reunirem dados, sobretudo quantitativos, para reportar com maior robustez.
O que fazer, em especial no setor agrícola?
A sustentabilidade não perdeu importância, nem perdeu impulso, pois os desafios societais são os mesmos que eram antes do pacote “Omnibus”. Tanto o risco climático como de perda de biodiversidade têm impactes significativos e o setor agrícola é dos mais expostos. Independentemente da sua dimensão, as empresas do setor devem ter este aspeto bem presente.
É consensual que a sustentabilidade é o alicerce da competitividade e o único caminho para negócios que pretendam sobreviver num futuro próximo.
Ainda assim, este abrandamento pode ser visto como uma oportunidade no sentido de permitir às empresas terem mais tempo para se adaptar. A pressão do reporte poderia até induzir práticas de greenwashing, algo que se procura evitar.
Este tempo adicional deve ser aproveitado para desenvolver uma estratégia de sustentabilidade como ferramenta de gestão, bem como para implementar processos internos de recolha de dados tendo em vista o relato simplificado, recorrendo à norma de relato voluntário destinada às PME.5
Importa referir que a maioria das empresas do setor agrícola já não estava diretamente abrangida pela obrigatoriedade de reporte, mas sim de forma indireta, pela integração em cadeias de valor ou pelo acesso ao financiamento.6
No que diz respeito aos pedidos de informação ESG por parte do setor financeiro, não se observa abrandamento. Há uma percepção mais alargada e sistémica do risco, o que levará estas entidades a exigir informação, sobretudo sobre riscos climáticos e relacionados com a natureza.
As empresas do setor devem assim manter a sua rota de otimização do esforço de transição para modelos de criação de valor sustentáveis, bem como de adaptação ao reporte, ainda que voluntário.
Adiar pode parecer uma opção segura e menos exigente em termos de custos no curto prazo, mas a inação tende a sair mais cara. Progredir com foco e consistência é mitigar riscos e gerar vantagens competitivas, já no presente e com vista ao futuro.
1. CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive) – Diretiva de Divulgação de Sustentabilidade das Empresas – Diretiva (UE) 2022/2464 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2022
2. CSDDD (Corporate Sustainability Due Diligence Directive) – Diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade – Diretiva (UE) 2024/1760 do Parlamento Europeu e do Conselho. Esta diretiva estabelece obrigações para as empresas em matéria de efeitos negativos nos direitos humanos e no ambiente, relativamente às suas próprias operações e dos seus parceiros comerciais nas cadeias de valor, obrigando ainda à definição de planos de transição para uma economia mais sustentável.
3. Diretiva (UE) 2025/794 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de abril de 2025
5. Para enquadramento deste tópico, sugere-se a leitura do artigo prévio “PME do setor agrícola e reporte ESG: opção ou obrigação?” (https://www.agroportal.pt/pme-do-setor-agricola-e-reporte-esg-opcao-ou-obrigacao/)
6. Idem.
Doutoranda em Ciências da Sustentabilidade, Técnica Superior do INIAV/Polo de Inovação de Dois Portos (investigação na área de sustentabilidade na cadeia de valor de viticultura e enologia), Consultora e Formadora
Certificações de produção sustentável e ESG no setor agrícola