Seja pela aplicação direta da regulamentação, pela necessidade de cumprir requisitos para aceder a cadeias de valor e/ou a financiamento em condições mais favoráveis, ou ainda por uma decisão estratégica de criar valor económico mais sustentável, a integração de práticas ESG (Ambiental, Social e Governação) nas empresas é inevitável.
No setor agrícola, considerando as diversas certificações de sustentabilidade existentes, surge a questão de como se relacionam com o cumprimento da regulamentação ESG.
Como se relaciona o ESG com as certificações de produção sustentável?
A relação entre o ESG e as certificações de produção sustentável será tanto mais sinérgica quanto mais holísticas forem as certificações. Na prática, isto significa que um produtor que já possua uma certificação de produção sustentável que abranja os pilares ambiental, social e de governação poderá estar mais bem preparado para adotar e reportar práticas ESG.
Atualmente, existem diversos sistemas de certificação no setor agrícola que seguem uma abordagem à sustentabilidade integrando estes três pilares. Seguem-se alguns exemplos de sistemas globais, nacionais, setoriais e transversais.
A nível internacional, no âmbito do sistema de certificação GLOBALG.A.P. (Boas Práticas Agrícolas), a norma IFA para frutas e produtos hortícolas promove práticas agrícolas responsáveis na produção primária. Alinhada com os Princípios Empresariais de Alimentação e Agricultura do Pacto Global das Nações Unidas e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, assenta numa abordagem holística de longo prazo, que integra temas como a segurança alimentar, ambiente, saúde, segurança e bem-estar dos trabalhadores, processos produtivos e rastreabilidade. Para além da norma, foram concebidos módulos complementares (GRASP, SPRING, Nurture, BioDiversity) para responder a exigências específicas dos mercados em matéria de sustentabilidade.[1]
Um outro exemplo é a Regenerative Organic Certified™ [2], uma certificação inovadora que, tendo por base a certificação orgânica da USDA[3],[4], acrescenta critérios e requisitos que incorporam os pilares da agricultura orgânica regenerativa: saúde e gestão sustentável do solo, bem-estar animal e estabilidade económica e justiça para agricultores e trabalhadores.
Também à escala global, mas aplicável a vários setores, a certificação B Corp[5] abrange todos os temas ESG. Esta certificação é atribuída a empresas que demonstrem elevados padrões de desempenho social e ambiental, transparência e responsabilização.
Em qualquer um destes sistemas globais existem empresas nacionais certificadas.
O Referencial Nacional de Certificação em Sustentabilidade do Setor Vitivinícola[6] é um exemplo de uma certificação setorial, a nível nacional, com uma abordagem holística. Prevê indicadores nos domínios ambiental, social, económico e da gestão e melhoria contínua. Estes dois últimos incluem temas de governação e conduta empresarial. Numa escala regional, o mesmo se aplica à certificação do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo[7].
Mas será o ESG um conjunto de obrigações adicionais e redundantes que vem sobrecarregar os agricultores? Por onde começar?
O objetivo da regulamentação ESG não é impor encargos desnecessários, mas sim promover uma economia sustentável. A adoção de uma lógica de sinergia e interoperabilidade entre os requisitos das certificações e do ESG pode mitigar o impacto da adaptação à regulamentação.
O primeiro passo para o alinhamento com o reporte ESG deve ser a identificação das métricas já contempladas na certificação do produtor. Em seguida, é fundamental estabelecer correspondências com as métricas definidas pelas Normas Europeias de Relato de Sustentabilidade (ESRS), que abrangem temas ambientais (alterações climáticas, poluição, biodiversidade, água, economia circular), sociais (condições de trabalho e impacto na comunidade), e de governação.
No caso das PME, deve considerar-se a norma simplificada para relato voluntário de sustentabilidade (VSME) já divulgada e destinada às PME não cotadas[8]. Muitos indicadores comuns a referenciais de certificação correspondem a métricas previstas na norma VSME. Exemplos: consumo de energia renovável e não renovável, estimativa das emissões de gases com efeito de estufa (GEE), consumo de água, incidentes relativos a direitos humanos.
Deste modo, o ESG pode ser integrado de forma eficiente, evitando redundâncias e facilitando a sua adoção em termos operacionais e processuais.
É essencial descomplicar a abordagem à regulamentação ESG para facilitar a sua adoção pelas empresas, sendo fundamental a capacitação.
Refira-se, todavia, que as certificações são ferramentas, não se substituindo à estratégia nem à ação. As práticas ESG têm um alcance mais amplo, orientado para a criação de valor económico e para a garantia de desempenho financeiro no curto e no longo prazo, considerando os impactos e dependências nas dimensões ambiental, social e de governação.
O verdadeiro desafio reside na implementação de uma estratégia ESG robusta e integrada no negócio, que permita alinhar os modelos de criação de valor com um paradigma mais sustentável e resiliente.
[3] United States Department of Agriculture (em português, Departamento de Agricultura dos Estados Unidos)
[4] https://www.usda.gov/farming-and-ranching/organic-farming/organic-certification
[5] https://www.bcorporation.net/en-us/certification/
[6] https://www.viniportugal.pt/pt/sustentabilidade/
[7] https://sustentabilidade.vinhosdoalentejo.pt/pt/certificacao-psva
[8] Para enquadramento geral deste tema, sugere-se a leitura do artigo prévio “PME do setor agrícola e reporte ESG: opção ou obrigação?” (https://www.agroportal.pt/pme-do-setor-agricola-e-reporte-esg-opcao-ou-obrigacao/)
Doutoranda em Ciências da Sustentabilidade, Técnica Superior do INIAV/Polo de Inovação de Dois Portos (investigação na área de sustentabilidade na cadeia de valor de viticultura e enologia), Consultora e Formadora