Apesar de estarmos formatados, na leitura das estatísticas, para considerarmos os anos civis como referência, até por facilidade de leitura e comparação (“2021 foi um bom ano para as exportações, melhor do que 2020 e apesar da pandemia”), o certo é que, por Regulamento Europeu, o ano vitivinícola decorre de 1 de Agosto até 31 de Julho do ano seguinte. É uma espécie de sincronia com o início das vindimas, convencionada, semana atrás ou semana à frente, daquela data, na Europa. Neste momento anda o pintor pelas vinhas e em breve começarão a surgir as previsões probabilísticas da vindima.
O próximo ano vitivinícola terá pouco a ver com os anos que antecederam. Os sinais estão aí, já referidos por muitos, e, além da preocupação, devem merecer muita atenção e tomadas de decisão: o encarecimento de factores de produção e transportes, a irregularidade no cumprimento de prazos de fornecimento e na circulação, a inflação e o aumento das taxas de juro… pandemia, guerra, novos competidores e necessidade de cumprimento de critérios de sustentabilidade por responsabilidade social e para ombrearmos com a concorrência, são elementos dum conjunto que é necessário compreender em toda a extensão.
Os vinhos portugueses têm-se distinguido pela diversidade. E têm estado a aumentar o valor, ano a ano, de forma sustentada. Mas este valor ainda é baixo demais, sobretudo para as gamas de entrada, e carece dum esforço para incremento e manutenção, porque a diversidade dos nossos vinhos só continuará a existir se for mantida!
Uma grande percentagem da população portuguesa, nas últimas décadas, deslocou-se para as cidades e este afastamento das raízes agrárias do país provocou um desligar da mentalidade da vida no campo e dar-se aso à criação de mitos urbanos desinformados sobre os que vivemos nos vales e serras de Portugal. O vinho pode – e deve – desempenhar nas cidades um papel cultural importante, indo ao encontro dessa grande multidão de novos potenciais consumidores, hoje voltados quase exclusivamente para a cerveja e gin tónico, mas abertos a novidades, ao entendimento do que é consumo responsável e hedonista, que procuram prazer imediato, mas também qualidade e transparência no produto que lhes é oferecido. A ideia de que o vinho é um produto de confiança tem de multiplicar-se connosco, como já é feito nos outros países. Não é por acaso que os filmes franceses (o vinho é o terceiro produto mais importante na economia francesa, a seguir à indústria aeroespacial e aos perfumes) e italianos são frequentes as cenas em que aparece a fruição do vinho, actores e actrizes fazendo a sua pedagogia com gestos e até palavras: visam aumento do consumo interno sem publicidade explícita, almofada importante para os imprevistos do turismo e da exportação. Há que descomplicar o consumo do vinho, inovar nas embalagens, fazê-lo estar presente nos festivais e na praia. É estranho que muitas lojas, adegas e cooperativas vendam vinho, mas não o sirvam a copo nesses locais… perdem uma boa oportunidade de facturação e acima do preço médio! Aumentarmos o consumo interno e valorizarmos o preço por litro devem ser dois dos objectivos a atingir nos próximos anos – os anos do tudo ou nada!
Porquê “os anos do tudo ou nada”? Porque a convulsão da economia é certa e imprevisível: é da História e é dos livros.
As mudanças a que estamos a assistir, desde a tecnologia na vinha; a emergência de novas regiões vitícolas em Inglaterra, Países Baixos e Países Nórdicos; a tendência de novos gostos por vinhos fáceis, acessíveis, que saibam bem; o acesso a informação na garrafa/embalagem e a partir desta, com os QRcodes, os códigos de barras, os selos inteligentes; as novas embalagens… tudo isto irá acelerar nos próximos anos e determinará a sobrevivência de muitas das empresas que conhecemos ou a sua absorção por outras. Por isso a importância do incremento do valor, da sustentabilidade, da visão holística de toda a actividade de produção, comercialização, consumo e informação sobre o vinho.
É importantíssimo que o sector se vire para as novas gerações de consumidores e as entenda. Como é bom ver a surpresa, o prazer e uma certa cintilação do olhar de visitantes de quintas ao perceberem o processo que faz com que se possa beber dum copo o líquido onde estão o chão, a luz, o calor, a frescura e o perfume daquele local. Descobrir nesse copo um certo sentido de vida. Porque irá depender também destas novas gerações manterem-se as paisagens de vinha na Região dos Vinhos Verdes, em Trás-os-Montes, em Portugal.
Não sabemos como será a vindima deste ano, mas podemos ter a certeza de que este próximo ano vitivinícola será muito diferente dos anteriores. Os próximos anos vitivinícolas. Que, para Portugal, para muitos dos nossos operadores do sector, serão os anos do tudo ou nada. Há que trabalhar para que sejam os anos do tudo – e dum tudo extraordinário! – que o podem ser! Será difícil – mas será possível!
Consultor e escritor, ex Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte, 2011-2018; ex Vice-Presidente do IVV, 2019-2021.
O artigo foi publicado originalmente em A Drive in my Country.