Ainda no rescaldo do resultado das eleições europeias, que, felizmente, manteve um relativo “cordão sanitário” para o próximo mandato, face a movimentos radicais mais extremistas (à direita e à esquerda), tivemos esta semana a aprovação. pelo Conselho do Ambiente, da Lei do Restauro da Natureza, que contou com o voto favorável de Portugal e outros 19 países, incluindo a conservadora Áustria (seis contra e uma abstenção). Recorde-se que esta legislação, que tem como principal objetivo inverter a degradação dos habitats naturais da Europa, esteve seriamente em causa pelos potenciais impactos na agricultura, mas pode finalmente entrar em vigor. Antes do dia 17 de junho, a Ministra do Ambiente referiu que a aprovação da lei não era contrária aos interesses dos agricultores; depois de aprovada no Luxemburgo, reforçou que a diversidade regional e local será tida em conta no Plano Nacional, incluindo as especificidades da agricultura.
De acordo com 11 países, que dirigiram uma carta aos ministros do Ambiente, a recuperação dos ecossistemas é essencial para mitigar e adaptar aos impactos das alterações climáticas – tema muito sensível para Portugal, confirmado esta semana pela Comissão Europeia – e para salvaguardar a segurança alimentar europeia, numa perspetiva de médio e longo prazo. Para já, teremos o compromisso de recuperar, até 2030, 30% dos habitas mais degradados, com metas “ambiciosas, mas “realistas”, esperando nós que não comprometam o equilíbrio entre agricultura e ambiente e tenham realmente em linha de conta as especificidades de cada país. O regulamento irá ser publicado em breve e o ICNF será o responsável pela sua implementação.
De facto, o potencial alinhamento futuro do Parlamento Europeu e, em Portugal, a presença conjunta em vários eventos dos ministros da Agricultura e do Ambiente, na Ovibeja ou na Feira Nacional de Agricultura, indiciam que podemos estar num momento de viragem, que, naturalmente, se saúda. Mas, não tenhamos ilusões: os temas ambientais vão continuar (e bem) a dominar a agenda política e mediática, tal como a saúde e bem-estar animal ou a alimentação e as dietas saudáveis, com os “inimigos” do costume, o açúcar, o sal e as gorduras, o consumo de produtos de origem animal.
Temos de definir (e assumir) compromissos e reforçar a estratégia de comunicação, na linha do que tem sido feito, seja pela FIPA, ou pelas recentes campanhas do MAPA e da B-Rural, nas quais, respetivamente, o produtor se compromete com os desafios societais (“Cuidar começa em nós”) e se divulga, também, a forma como o agroalimentar se transformou e modernizou, sem que o cidadão se tivesse apercebido (“A agricultura evoluiu, só você é que não viu”).
Como ficou claro na nossa recente Reunião Geral da Indústria, passámos de uma fase em que temos de comunicar para a realidade das iniciativas concretas de comunicação.
Temos (todos) um longo caminho a percorrer face aos desafios que se nos colocam (e à desinformação, sem critérios ou preocupações com os factos e as evidências científicas), tendo presente que representamos um setor essencial e que a segurança alimentar das cadeias de abastecimento tem de ser prioritária, em Portugal e no quadro da União Europeia. O que exige, desde logo, políticas públicas que compatibilizem agricultura e ambiente, sem comprometer um saudável desenvolvimento económico e a coesão, social, e do território. É esta a verdadeira Sustentabilidade.
Mas, se a Lei do Restauro da Natureza é uma das políticas ambientais mais relevantes, não o é menos a legislação sobre as cadeias de abastecimento livres de desflorestação, ou EURD, sobre a qual aqui temos refletido neste espaço de opinião semanal. Importa frisar que não se trata de um tema que interesse apenas ao setor da alimentação animal – embora a soja ou a palma e derivados sejam fundamentais –, porque são igualmente abrangidos produtos tão diversos como o café, cacau, borracha, madeira e bovinos, o que significa que os agricultores e os produtores de bovinos, quer na importação ou exportação, quer, naturalmente, na produção interna, também serão impactados.
Se até agora não tinham existido quaisquer “manifestações de interesse” da parte destes setores, da agricultura e da pecuária, com organizações como a IACA ou a ACICO a fazerem as denominadas “despesas do jogo”, é importante que outras se pronunciem rapidamente, aqui deixando o repto às Confederações que representam os agricultores e às cooperativas, porque é urgente adiarmos a entrada em vigor desta legislação. Como sempre referimos, não está em causa o combate à desflorestação, mas os mecanismos da sua implementação, a burocracia e, sobretudo, a incerteza jurídica e a ausência ou insuficiência de meios de controlo da parte das autoridades oficiais dos Estados-membros.
Em Bruxelas, enquanto se aguarda uma decisão da ainda Presidente da Comissão Europeia sobre o eventual adiamento da entrada em vigor da legislação, multiplicam-se as reuniões com a DG AGRI e a DG ENVI, à medida que crescem os apelos ao adiamento perante as evidências: cronograma de implementação reduzido, sistema de informação, atrasos na avaliação comparativa por país, falta de coordenação dos Estados-membros ou ausência de respostas a questões práticas colocadas pelos operadores. Tudo isto poderá conduzir a perturbações nos mercados e a consequências negativas, não intencionais, para os setores agroalimentar e florestal.
Entretanto, na comunicação social, a ABIOVE deu nota das preocupações perante a falta de clareza sobre a implementação da EUDR, os Parceiros Internacionais do Café apelaram ao seu adiamento e a COCERAL afirmou que a Comissão Europeia e as autoridades dos Estados-membros não estão prontas para dar as respostas aos operadores e ao mercado. O COPA/COGECA também tem trabalhado connosco neste dossier e de forma muito ativa.
Por cá, enquanto vamos pressionando o Governo português, que, felizmente, tem partilhado as nossas posições, a FIPA criou um grupo de trabalho específico, e, em Bruxelas, DGAV e ICNF irão fazer parte de uma Comissão de Acompanhamento.
A mensagem tem de passar para toda a sociedade e é bom o compromisso e pressão da Agricultura, além da Indústria, para que em Portugal e no quadro da União Europeia, regresse o bom-senso que pareceu ser a tónica das eleições para o Parlamento Europeu.
Impulsionados pela DG AGRI, precisamos de uma ENVI mais amiga da agricultura, o que significa avaliar (sempre) os impactos das propostas ambientais no agroalimentar e na segurança das cadeias de abastecimento.
Se outras razões não existissem, duas guerras a escalar (Ucrânia e Médio Oriente) deviam exigir uma maior reflexão. O tempo é agora!
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Fonte: IACA
2024 tem de ser o ano do combate à desinformação – Jaime Piçarra – Notas da semana