A seca acentuou-se na barragem da Bravura, no barlavento algarvio, hoje com menos 600.000 metros cúbicos de água do que há um ano, obrigando os agricultores a procurar alternativas para contornar um cenário cada vez mais complicado.
Numa das albufeiras em situação mais crítica no país, a restrição de uso da água para rega imposta desde fevereiro de 2022 levou dezenas de agricultores e dois campos de golfe a recorrerem a dois furos – situação que se vai repetir este ano –, enquanto a associação que gere a estrutura, no concelho de Lagos, e o perímetro de rega de Alvor, estuda a possibilidade de mais furos e prepara uma obra de grande envergadura para travar as perdas de água.
“Estamos com muito menos água do que tínhamos o ano passado. O ano passado já foi um ano muito complicado para os nossos associados e para os nossos regantes. E este ano, a vida está muito difícil”, afirmou à Lusa António Marreiros, presidente da Associação de Regantes e Beneficiários do Alvor (ARBA).
O dirigente explicou que, em comparação com o mesmo período do ano passado (abril de 2022), o nível baixou de 5.300.000 metros cúbicos para 4.700.000 metros cúbicos de água, gerando mais preocupação entre os 937 beneficiários abrangidos pelo perímetro de rega.
Segundo o Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos, no último dia do mês de março de 2023, o volume de água na Bravura era de 4,747 milhões de metros cúbicos de água, equivalente a 13,6% dos 34,82 milhões de metros cúbicos de capacidade total de armazenamento.
Construída em 1958, esta barragem abastece cerca de 1.800 hectares de explorações no perímetro hidroagrícola de Alvor, num total de 937 beneficiários.
O agravamento da seca no ano passado levou o Governo a restringir o uso da água para rega a partir da Bravura, servindo apenas para o abastecimento público, medida que este ano se iniciou dez dias mais cedo do que em 2022.
“O ano passado começámos mais tarde a fornecer água à Águas do Algarve e este ano já estamos a fornecer 60 litros por segundo para o abastecimento de água a Lagos, Aljezur e Vila do Bispo”, referiu António Marreiros.
Face à impossibilidade do regadio, 30 agricultores e dois campos de golfe foram servidos por dois furos na zona da Penina, no concelho de Portimão, mas para os agricultores na zona de Odiáxere, Lagos, não foi encontrada alternativa semelhante.
“A APA [Agência Portuguesa do Ambiente], no ano passado, excecionalmente, autorizou a abertura de alguns furos no nosso perímetro de rega e este ano, se isto assim se mantiver e se os agricultores assim entenderem, possivelmente serão autorizados mais alguns furos para poder salvar as culturas permanentes, ou seja, as árvores de fruto”, apontou o presidente da ARBA.
A associação está a efetuar sondagens em alguns terrenos para tentar encontrar água “com qualidade e quantidade” no subsolo, ainda sem sucesso, e espera que águas residuais tratadas sejam aproveitadas para regar campos de golfe.
Com a utilização dos furos, os consumos de energia duplicaram para alguns produtores, embora haja tendência a baixar. “É impensável uma pessoa ter uma cultura grande com água dos furos, porque ficam muito mais caros os produtos. E quando vamos ao mercado, nota-se que os produtos hortícolas estão mais caros”, vincou.
Para modernizar uma estrutura com mais de 60 anos, a associação de regantes já efetuou um investimento de 1,7 milhões de euros na impermeabilização dos canais de abastecimento no distribuidor do Vale da Lama, numa extensão de dez quilómetros, ficando à espera que o uso de água para rega volte a ser implementado.
“Infelizmente, ainda não se conseguiu lá pôr água. Foi uma obra importante, só que agora falta a água para pormos lá. […] Sempre há evaporação, continua a ser um canal a céu aberto, mas diminuía as perdas de água com grandes valores. Se a gente tivesse água, as perdas de 20% ou 30% diminuiriam para 06 ou 07%”, estimou António Marreiros.
Mas, a obra de maior envergadura no perímetro de rega de Alvor, no valor de sete milhões de euros, com apoio do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), consiste na pressurização do sistema, para eliminar “drasticamente” e de forma “brutal” as perdas de água.
“Está a equipa de projetistas a fazer o projeto. Prevê-se que o projeto esteja concluído no final do ano, para lançarmos o concurso para a obra física, no terreno, começar no próximo ano”, avançou o dirigente associativo.
Ainda no barlavento algarvio, mas em Aljezur, também se sente o problema da seca e a situação obrigará a “acelerar” todos os projetos em cima da mesa para encontrar soluções alternativas, salientou o presidente da Câmara.
No imediato, disse à Lusa José Gonçalves, “a exigência de redução dos consumos ao máximo” passa pela pedagogia e campanha constante junto dos consumidores e pelo controlo mais efetivo dos equipamentos municipais e edifícios públicos.
No concelho, os agricultores das zonas do Rogil e Odeceixe são servidos pelo perímetro de rega do Mira e pela água da barragem de Santa Clara, que também abrange Odemira (distrito de Beja).
O autarca espera que o Governo e a Associação de Beneficiários do Mira (ABM) concretizem alguns dos seus projetos em curso, nomeadamente com o reaproveitamento da água lançada ao mar, a impermeabilização de canais de abastecimento e a captação de volume morto de água da barragem.
Além disso, os agricultores também poderão usar a água da ribeira de Aljezur, caso seja necessário.
“Já houve anos em que as pessoas nos pediam para fazer uma pequena escavação na ribeira, onde a água era retida e as pessoas utilizavam essa água. Até agora não aconteceu, é possível que venha a acontecer”, afirmou.
Os autarcas de Aljezur e Odemira manifestaram recentemente a sua preocupação, depois de o Ministério da Agricultura e Alimentação ter proposto a exoneração da direção da ABM, apelando ao diálogo entre as duas partes.
“Está muita coisa em causa. […] O interesse de uma região, que é importante salvaguardar. Se a situação de alguma maneira já é complexa, achamos que estas questões ainda vêm agravar mais a situação”, referiu José Gonçalves, pedindo “paz”, porque, “se estas entidades não se entenderem, quem vai sofrer é sempre o agricultor”.