O Ministério Público pediu a condenação de nove dos 11 arguidos no julgamento dos incêndios de Pedrógão Grande, enquanto advogados de defesa destacaram a injustiça do processo e a ausência no banco dos réus de alegados responsáveis pela tragédia.
Para o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, acusado de 63 crimes de homicídio e 44 de ofensa à integridade física, 12 dos quais graves, todos por negligência, foi pedida a condenação a prisão efetiva, superior a cinco anos.
Prisão efetiva foi igualmente pedida para o funcionário da antiga EDP Distribuição (atual E-RDES) Casimiro Pedro, que responde por iguais crimes do comandante, assim como para José Revés, Rogério Mota e Ugo Berardinelli, funcionários da Ascendi. Estes estão acusados por 34 crimes de homicídio e sete de ofensa à integridade física, cinco deles graves, todos por negligência.
Para o ex-presidente da Câmara de Pedrógão Grande Valdemar Alves, para o antigo vice-presidente José Graça e para a ex-responsável pelo Gabinete Florestal deste município Margarida Gonçalves, a procuradora da República Ana Mexia considerou que devem ser condenados “na pena única que corresponde às elevadas necessidades de prevenção” por seis crimes de homicídio por negligência e nos demais absolvidos.
Já em relação ao ex-presidente do Município de Castanheira de Pera Fernando Lopes, o Ministério Público (MP) defendeu a condenação em pena única por quatro homicídios por negligência, ficando em aberto a suspensão.
Sem concretizar o pedido de absolvição, a magistrada do MP considerou que o arguido José Geria (funcionário da E-REDES) deve ser “julgado de acordo com a prova produzida” e, no caso do presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, propôs a absolvição.
Da parte de advogados de defesa, que pediram a absolvição dos arguidos, ouviram-se nas alegações críticas à acusação (“injusta” e “absolutamente insensível à realidade do que aconteceu”), à atuação do comando nacional da Proteção Civil (“pouco ou nada fez para ajudar” no combate aos incêndios) ou aos chefes de Estado e de Governo.
“Subscrevemos as palavras do Presidente da República [Marcelo Rebelo de Sousa] e do primeiro-ministro [António Costa], quando ambos disseram que a culpa não deveria morrer solteira. Mas, no banco dos réus, não vejo nenhum dos responsáveis pelas decisões que debilitaram a prevenção e o combate aos incêndios, nenhum dos governantes que, com políticas absolutamente desastrosas, fizeram com que aqui chegássemos (…), não vejo nenhum dos verdadeiros responsáveis pela tragédia de Pedrógão”, afirmou Filomena Girão, mandatária de Augusto Arnaut, no dia 31 de maio, quando duas centenas de bombeiros se concentraram em frente ao tribunal.
Marcelo e Costa voltaram a ser mencionados por Magalhães e Silva, advogado de Valdemar Alves, que os apelidou de “provocadores irresponsáveis, que vieram dizer ‘a culpa não pode morrer solteira’, sem que fossem procurando saber o que se passava”.
Por seu lado, José António Barreiros, advogado de José Revés, frisou que “a justiça não pode tolerar a ideia de que estes arguidos foram selecionados para servirem de bodes expiatórios à escapatória de outros altos responsáveis pela gestão florestal do país, do legislativo ao Governo e deste à administração pública”, e Castanheira Neves, defensor de Fernando Lopes, apontou o Estado como “verdadeiro potencial responsável” das consequências.
João Lima Cluny, advogado dos funcionários da E-REDES, alertou para a existência de “prova proibida”, referindo-se aos relatórios da Comissão Técnica Independente e do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais, pois “foi dos arguidos que aquelas equipas retiraram grande parte das conclusões a que chegaram”.
Já Leopoldo Camarinha, defensor de Ugo Berardinelli, realçou que a obrigação de gestão de combustível não era aplicável à Ascendi, porque Pedrógão Grande não tinha Plano Municipal da Defesa da Floresta Contra Incêndios e “sem plano, não há gestão de combustível”, pois aquele definia onde fazer, quando fazer e o que fazer, posição subscrita por José Ricardo Gonçalves, advogado de Rogério Mota, assinalando, ainda, como outros fizeram, a ausência de nexo de causalidade entre a conduta do arguido e as consequências dos incêndios.
Por seu turno, Gastão Oliveira Neves, advogado de Margarida Gonçalves, defendeu ser “mera ficção” dizer que a existência de faixas seria suficiente para evitar a tragédia face à excecionalidade e imprevisibilidade dos incêndios, e Catarina Gil Guerra, defensora de José Graça, acusou o MP de ter cedido à tentação de imputar responsabilidades “aos que se encontravam ‘mais à mão’, mais expostos, exatamente por estarem no fim da linha dos responsáveis”.
“Penosidade imerecida” foi como o advogado Ferreira da Silva classificou a presença em julgamento de Jorge Abreu.
Entre os advogados dos assistentes, Ricardo Sá Fernandes considerou haver claramente responsabilidade criminal, “por omissão, por violação de deveres de cuidado”, André Batoca sustentou que este processo “deve servir de exemplo para o cumprimento dos deveres que decorrem da lei” e Patrícia P. Oliveira pediu justiça, por hoje e pelo amanhã, para que situações como esta “não se repitam”.