O dia 1º de Maio representou, este ano, dia de começar a vender animais que não terão o que comer daqui a poucos meses, para muitos agricultores do sequeiro.
É uma decisão sóbria e com sentido económico, mas é também agridoce e nada tem a ver com o dia do trabalhador. A questão é que o período de retenção dos efetivos de bovinos, ovinos e caprinos terminou a 30 de Abril, passando a venda de reprodutores a ser possível, depois dessa data, sem prejuízo para o cálculo dos apoios da PAC. Na maioria dos casos, as explorações do extensivo português assentam em sistemas agrossilvo-pastoris e são muito dependentes de apoios, sendo frequente que estes representem mais de 50% do volume de negócios da exploração.
Esta decisão é muito impactante em todo o sector da carne, uma vez que, em particular no que toca a vacas, os ciclos são muito longos. A recuperação da capacidade produtiva será lenta para estes agricultores que se vêem obrigados a vender reprodutores, e isso são más notícias para todos. Isto porque a substituição de animais reprodutores implica, na sua forma mais rápida, a compra de novilhas cheias, a espera que os partos cheguem, e a venda dos bezerros, o que acontece no mínimo aos seis meses de idade. No entanto, a maioria dos agricultores ver-se-ão obrigados, por falta de meios para comprar novilhas cheias, ou simplesmente por falta de oferta, a comprar novilhas não cobertas ou a utilizar a novilhas nascidas na sua exploração. Esta estratégia toma ainda mais tempo para recuperar a capacidade produtiva, uma vez que as novilhas deverão ser cobertas com cerca de dois anos de idade, em média, têm um período de gestação de nove meses e, depois do parto, ter-se-á ainda de esperar os ditos seis meses, no mínimo, para vender bezerros ao desmame.
Como se pode verificar, a escolha de vender reprodutores não vem, para a maioria dos produtores que a estão a tomar por estes dias, de ânimo leve. Quais os factores que os estão a levar a este ponto?
A meu ver, os principais factores são o desgaste financeiro das empresas e os custos elevados dos produtos para alimentação animal. Quanto estes dois factores se combinam, num ano seco, em que a produção de pastagem é muito baixa, criam-se condições excepcionalmente difíceis para os produtores de gado.
O desgaste financeiro vem essencialmente de se tratar de um sistema tão pouco robusto economicamente e que encontra um segundo ano seco de seguida, o que, felizmente, não é comum. Para exemplificar isto, basta ver que, pela minha experiência, muitas destas explorações têm RFE1 em torno dos 100€/ha a 150€/ha, da pecuária. Numa exploração de 500 ha, teremos assim apenas 50.000€ a 75.000€ de RFE anual. Num ano em que a seca obriga à compra de alimentação para os animais para tempo adicional, o peso da alimentação pode facilmente chegar a perdas importantes, deste valor, já reduzido, de RFE da actividade.
E aqui entra o segundo factor referido: quando os preços dos factores de produção aumentam, este esforço adicional aumenta também. E, como mostra o gráfico seguinte, os preços têm estado, de forma global, desvantajosos para os produtores de carne.
O gráfico mostra claramente que, se bem que o grande desequilíbrio de 2022 já foi algo corrigido, o índice de preços de cereais e óleos alimentares, que está relacionado com os inputs para alimentação animal, se encontra ainda substancialmente acima (133,3 e 126,7, respectivamente) do índice de preços para a carne (108,7). Esta desigualdade de evolução de preços põe pressão nos produtores de carne, cujos preços dos produtos não crescem ao mesmo ritmo que os custos.
A grande fragilidade dos produtores do sequeiro provém do facto de anos de seca gerarem um agravamento de ambas as variáveis: criam anos de maior necessidade de compra de alimentação animal, em anos de menor produção da mesma, quando os preços sobem por falta de oferta.
Para ilustrar o dano que este efeito pode causar, ilustrei, num exemplo teórico, o que pode custar à tal exploração de 500ha, um mês adicional de alimentação animal que tenha de comprar para a sua vacada, que se estima ter cerca de 120 vacas adultas. A verde, o aumento de custo que seria com um preço de silagem e palha normais. Representaria cerca de 3150€, ou 6,3% do seu RFE de 50.000€. O problema é que, nesta data, e salvo algum desenvolvimento para pior que ainda não tenha conhecimento, os preços estão em cerca de 0,12€/kg para a silagem e de 0,13€/kg para a palha. Isso faz com que um mês adicional custe à empresa 10,3% do seu RFE. E estes preços podem ainda piorar bastante, levando este impacto para valores de percentagem mais altos, marcados a encarnado, na tabela seguinte.
Este impacto é para um mês, relembro. O que quer dizer que hoje, esse agricultor, se precisar de comprar alimento para três meses adicionais, estará a perder 30,1% do seu rendimento antes de impostos.
Este cálculo é, claro, muito variável entre empresas agrícolas, pois o RFE é, em muito, influenciado pelas características específicas e pela dimensão da exploração. No entanto, parece-me que este exemplo é um com que muitos produtores se identificam, em termos relativos, e podem contar uma história semelhante ajustada à sua própria exploração.
Claro que, estas condições são excepcionais, em que dois anos de seca seguidos deterioraram a tesouraria destas empresas e criaram as condições particularmente difíceis. Mas a importância destes sistemas de produção para as regiões em que se inserem é demasiada para que se percam.
A redução de disponibilidade financeira tem impactos directos na saúde financeira dos prestadores de serviços e factores de produção dos locais onde se inserem, assim como nas empresas a jusante que não conseguem comprar tanto localmente. A perda de capacidade produtiva além das dificuldades descritas acima para as empresas, vem numa altura em que a subida do custo do dinheiro torna mais doloroso o endividamento como estratégia de saída desta situação.
Será altura de tomarmos todos consciência desta realidade difícil do sequeiro, e valorizarmos o sequeiro português e aqueles que dele fazem a sua forma de vida. Em particular, é importante que o Ministério da Agricultura faça tudo ao seu alcance para apoiar estes agricultores, nomeadamente com medidas eficientes e corajosas, mas também atempadamente anunciadas, e de acesso claro e fácil.
Eng. Miguel Vieira Lopes
COLABORADOR TÉCNICO
O artigo foi publicado originalmente em AGRO.GES.