O país do vinho a dizer-nos que não dorme
Os três vinhos de que falo hoje correspondem a projetos novos ou, num dos casos, a um projeto reconvertido. De facto, o Domínio do Açor vem ocupar o território de uma quinta do Dão — Quinta Mendes Pereira — que foi vendida a um grupo de acionistas brasileiros. O próprio nome que deram ao projeto remete para o conceito de Domaine, muito querido em França e, sobretudo, na Borgonha. Ao que sabemos, foi o apreço pelos vinhos daquela região francesa que levou o grupo a investir no Dão, em detrimento de qualquer outra região. A escolha foi boa e o trabalho entretanto levado a cabo, com o apoio técnico do chileno Pedro Parra, um dos grandes especialistas mundiais em análises de solos, permitiu identificar pequenas parcelas na propriedade onde será possível criar vinhos de excelência. Estas análises são bastante conclusivas: aqui é provável, ali nem pensar, aqui só é de esperar vinho vulgar, acolá podemos pensar num topo de gama. Borgonha em mente, como está bom de ver, já que por lá é assim que as parcelas são conhecidas e que como tal foram escolhidas ao longo de séculos. Muitos produtores estão a fazer esta zonagem das propriedades, procurando assim identificar as parcelas de melhor adaptação solo/casta. O portefólio do Domínio ainda não contempla os resultados destes estudos mas pelo extremo cuidado na elaboração dos vinhos já apresentados é caso para acreditar que o futuro nos vai trazer ótimas surpresas. O enólogo é também o da vizinha Quinta das Marias. Os varietais de Bical, de Encruzado, de Cerceal Branco, de Tinta Pinheira e de Jaen são excelentes indicadores. Projeto a não perder de vista.
O vinho Trufa é mais um (bom) exemplar de um pequeno projeto familiar nascido no Douro, neste caso pela mão de Francisco Ferreira, nome bem conhecido e sempre associado ao Vallado. Além deste Trufa existe um Trufa Negra, de preço bem mais acessível. É certo e sabido que nesta região, de escassa mão de obra e com excesso de produção (o que faz diminuir o valor das uvas), com lavradores envelhecidos e com cada vez mais concentração de propriedades nas mãos de grandes grupos, avançar com um pequeno projeto próprio é um enorme risco. O facto de estas aventuras continuarem a surgir é sinal de resiliência e uma esperança para o futuro da região. Os vinhos que resultam de uvas de vinhas velhas têm sempre um quê identitário (por norma não são muito carregados de cor) e sempre algo que os diferencia, em função das castas utilizadas. A panóplia de castas é tal que é sempre possível encontrar numa parcela variedades que não se conhecem noutras. O rosé que escolhi corresponde também a um produtor novo no Alentejo. Também aqui, pela proliferação de empresas e marcas, não é fácil arrancar com algo que se pretenda que tenha um quê de original e que possa não ser incluído no “contingente geral”, sobretudo se não se apostar na quantidade. Por isso, também aqui é de aplaudir quem arrisca, apesar da juventude destes vinhos, nascidos apenas em 2020. Com projetos destes (e outros, claro…) pode ser que o futuro seja mais risonho do que se imaginava. […]