O Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) emitiu três pareceres para corte de arvoredo num troço da Estrada Nacional 247, na serra de Sintra, entre espécies exóticas e protegidas, mas associações anunciam carta aberta contra a intervenção.
“Vamos enviar para o ICNF um pedido de esclarecimento para ver se deram aval a este abate extremo e vamos fazer uma carta aberta, expondo a nossa perplexidade sobre como é que neste tempo de alterações climáticas se anda a desbaratar completamente a paisagem em Sintra, e as árvores que fazem parte da paisagem de Sintra”, afirmou Florbela Veiga Frade.
A porta-voz do Grupo de Amigos das Árvores de Sintra (GAAS) explicou à Lusa que, além de “pedir uma reunião com a direção do ICNF” para “demonstrar o repúdio sobre o que aconteceu”, a carta aberta com o pedido de esclarecimentos será enviada “a várias entidades, desde o Presidente da República à Assembleia Municipal de Sintra”.
O GAAS e outras organizações tencionam ainda “fazer um grande encontro de associações, porque não é um problema só em Sintra, é do país inteiro, e há uma série de associações que sentem o mesmo problema, do corte indiscriminado de árvores”.
“Porque é que, de repente, em estradas que sempre tiveram árvores de um lado e do outro, vai tudo a eito sem apelo nem agravo?”, questionou.
Segundo Susana Félix, do GAAS, “os cortes que estavam previstos já foram todos feitos” e, embora “ainda estejam a cortar algumas árvores, já é mesmo no final e têm muito que limpar”, entre o Pé da Serra e a estrada da Ulgueira, no desvio para a Azoia.
“[Quinta-feira], a estrada estava interditada de um dos lados, portanto o trânsito só funcionava por uma via, através de semáforos” provisórios, contou a moradora, que percorre todos os dias uma parte do troço regional entre Colares (Sintra) e Cascais da EN247, explicando que o corte de arvoredo “começou antes do Natal”.
Questionado pela Lusa, o ICNF informou que “emitiu parecer para a execução das faixas de gestão de combustível” da ER247 e que “a intervenção previa o corte/abate de 467 eucaliptos, 126 acácias e 48 pinheiros, 10 bétulas, seis amieiros e quatro carvalhos, exemplares que colidiam com a segurança rodoviária no local”.
No parecer considerou-se nada obstar ao corte de acácias e eucaliptos, “espécies exóticas sem interesse para a conservação da natureza e da biodiversidade e cuja erradicação será benéfica aos ‘habitats’ naturais presentes e potenciais no local”.
O ICNF autorizou ainda o corte dos 48 pinheiros, por serem, “na sua maioria, exemplares em fim de vida, com copas rarefeitas ou inclinações/deformações acentuadas do fuste”, bem como o abate “de dois amieiros e a manutenção de quatro, sujeitos a poda de redução de copa”.
“Dos quatro carvalhos listados, foram autorizados os abates de dois e a manutenção de dois, sujeitos a poda para minimizar efeitos negativos sobre a estabilidade do talude”, acrescentou.
Em complemento, foi ainda autorizado “o corte de arbustivas exóticas (pitósporos e ligustros e outras), localizadas maioritariamente do lado poente da EN247”, que se prevê ter “impacto positivo sobre a vegetação natural do local”, com manutenção de “arbustos autóctones” e “todos os exemplares de flora protegidos por lei (sobreiros, azinheiras e os azevinhos)”.
Fonte oficial da Infraestruturas de Portugal (IP) confirmou à Lusa que esta intervenção, na zona da Azoia, “foi feita na altura” do parecer, em 2020.
Em comunicado, a entidade informou que a empreitada em curso, entre os quilómetros 71,960 e 87,480 nas freguesias de Sintra e de Colares, “constituiu a última fase dos trabalhos iniciados há cerca de dois anos”, de modo “a assegurar condições de circulação em segurança para pessoas e bens nas estradas” sob a sua gestão direta.
A intervenção realizada faseadamente, “ao longo dos últimos dois anos, compreendeu no total a execução de 661 podas e 480 abates de árvores, dos quais 183 correspondem a exemplares de espécies exóticas invasoras”, avançou.
As intervenções foram, genericamente, “poda de plátanos ao longo do percurso entre Sintra, Colares e Pé da Serra, com vista à melhoria das condições de segurança e circulação rodoviária e pedonal na ER247”, e “limpezas, abates e desramações no percurso entre o Pé da Serra e o Cabo da Roca”, igualmente para “cumprimento dos critérios especiais definidos para a área do Parque Natural Sintra-Cascais [PNSC] no Plano de Defesa da Floresta Contra Incêndios do Município de Sintra”.
A IP referiu que as atividades “são sempre precedidas de avaliação técnica da especialidade para determinação das necessidades de intervenção” e que, neste caso, “dado tratar-se de uma zona protegida, foi obtida a autorização prévia por parte do ICNF e comunicada à Câmara Municipal de Sintra”.
O ICNF emitiu em outubro de 2021 dois pareceres para intervenções entre Sintra e o Pé da Serra, e daqui ao entroncamento para o Cabo da Roca.
No primeiro parecer, para intervir “em 656 árvores” na Rede Natura 2000, foi autorizado “o abate de 36 árvores: nove plátanos, oito robíneas, seis eucaliptos, um cipreste seco, sete choupos e cinco pinheiros-bravos”, com problemas “que não são passíveis de resolução através de poda”.
A intervenção “integra a poda de 620 árvores, na sua maioria exóticas e plátanos em particular, mas também autóctones como sejam: três ciprestes, três zambujeiros e um bordo jovem”, sem necessidade de parecer do PNSC, “pois não traduz uma alteração ao coberto vegetal”.
Já a poda de dois sobreiros, “visando a subida da copa” e coabitação com a via, seria autorizada em processo autónomo, devido à legislação de proteção da espécie.
O segundo parecer, do Pé da Serra ao desvio para o Cabo da Roca, incidiu sobre 495 árvores, tendo sido aceite o “abate de 454 árvores: 48 acácias, 127 pitósporos, 148 eucaliptos, 115 pinheiros-bravos, três freixos, dois pinheiros-mansos, um choupo, um pilriteiro, um loureiro e um exemplar” que “não foi possível identificar, bem como sete sobreiros”, todos “com problemas diversos confirmados no local”.
“Dada a ocorrência de ‘habitats’ naturais de bosque de carvalhos e/ou pinhais mediterrânicos na área de intervenção foi preconizado o abate de todas as exóticas em conflito com a segurança rodoviária”, cumprindo medidas de controlo com vista à erradicação de espécies invasoras elencadas na legislação nacional.
A poda de 41 árvores, a maioria sobreiros e autóctones (34 sobreiros, quatro carvalhos, um pinheiro-manso, um zambujeiro e um choupo) não carecia de parecer do PNSC, mas “a poda de 34 sobreiros, visando a subida da copa, remoção de raminhos secos” e coabitação com a estrada, “será autorizada em processo autónomo”, procedimento também adotado para abate de sete sobreiros.
Os pareceres tinham a validade de dois anos, mas fonte oficial da IP assegurou que foram solicitados “os pedidos” para prolongamento do prazo para conclusão dos trabalhos.