Em entrevista à Renascença, o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses considera que os incêndios deste ano demonstraram a importância do combate para resolver males maiores, e como precisa de ser restruturado e financiado.
O presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), António Nunes, considera que está provada a necessidade de introduzir mudanças na reforma lançada depois dos trágicos incêndios de 2017.
Em entrevista à Renascença, António Nunes diz que cinco anos não chegam para resolver os problemas estruturais do país e, por isso, não se pode continuar a apostar apenas na prevenção.
Considera que os incêndios deste ano demonstraram a importância do combate para resolver males maiores, e como precisa de ser restruturado e financiado.
O presidente da Liga dos Bombeiros também manifesta esperança na investigação criminal ao grande incêndio da Serra da Estrela – para compensar a falta de independência da comissão criada pelo Governo, das falhas do SIRESP e da oposição à nova organização territorial da Proteção Civil.
Ao longo de toda a entrevista, e para resolver quase todos os problemas, António Nunes insiste na maior de todas as reivindicações: a criação de um Comando Nacional de Bombeiros.
Todas as épocas de incêndio têm a sua história. Qual é a de 2022?
Faz lembrar a de 2017.
Porquê? Em que aspetos há pontos de contacto?
As semelhanças entre os dois anos estão mais na área do combate, porque, de facto, nas outras áreas podemos dizer que houve melhorias significativas. Há aspetos que estão melhor, como a avaliação do risco – hoje em dia sabemos com antecedência o que se vai passar, e em que zona geográfica, e também há uma outra sensibilização das populações – é, por exemplo, muito mais fácil evacuar uma aldeia.
Mas na área do combate verificamos que muito daquilo que deveria ter sido alterado não foi alterado. E ao não ter sido alterado, fez regressar a discussão pública sobre a organização dos bombeiros, sobre as comunicações, sobre a logística do combate. Vimos isso nas grandes operações de Ourém e da Serra da Estrela, também em Murça e em Vila Pouca de Aguiar.
Oficialmente, os quase 110 mil hectares consumidos pelos cerca de 10 mil incêndios têm sido justificados com a severidade meteorológica, a seca e o comportamento de risco dos cidadãos. São explicações válidas?
O facto de muitos incêndios resultarem de práticas ancestrais do uso do fogo na agricultura, não é razão para termos incêndios com tão elevada intensidade, que não sejam resolvidos nos primeiros 90 minutos.
Se isso existe, e se sabemos que estamos perante uma seca, e perante uma floresta desorganizada e com material fino muito seco, temos que adaptar os métodos de combate. Não podemos usar as mesmas técnicas que usávamos há 10 anos. Nem a ter o mesmo planeamento.
Essa é uma das razões pelas quais a Liga dos Bombeiros tem exigido, e vai continuar a exigir, a criação de um Comando Nacional de Bombeiros que trate da doutrina, do planeamento e da gestão da supressão do fogo.
“Não podemos usar as mesmas técnicas que usávamos há 10 anos. Nem a ter o mesmo planeamento. É preciso um Comando Nacional de Bombeiros”
Mas o Governo diz que, face às circunstâncias, o ano até podia ter sido muito pior. Que foi a eficácia do sistema que evitou o pior.
Eu não aceito essa explicação, porque isso não existe. O que eu sei é que o Governo solicitou aos corpos de bombeiros que fizessem tudo o que pudessem no ataque inicial, para garantir que a área ardida fosse a menor possível. Esse é o objetivo de qualquer ano.
De resto, não faz qualquer sentido fazer estimativas de áreas ardidas durante o verão. Quanto muito isso faz-se no inverno e na primavera, e através de fogo controlado.
Quando chegamos ao verão, quando chegamos àquele período onde as temperaturas são mais elevadas, os ventos são desfavoráveis, e há condições meteorológicas adversas, aí não podemos fazer estimativas. Só especulações.
A nós bombeiros, o que o ministro da Administração Interna nos pediu foi que atacássemos os incêndios por forma a que não se transformem em grandes incêndios. E é isso que nós estamos a fazer.
Portanto, 2022 faz-lhe lembrar 2017 do ponto de vista do combate, porque o sistema não se adaptou à realidade?
É exatamente isso. Nós não podemos ter grupos de combate a sete ou oito horas de uma frente de fogo. Isso não existe. Quando nós temos incêndios como os de Chaves, Vila Pouca de Aguiar-Murça, o da Covilhã, ou o da Covilhã-Guarda-Serra da Estrela, a serem combatidos por bombeiros que vêm do Algarve, do Alentejo, do Porto ou de Braga, que estão a seis, sete ou oito horas de distância, isso não pode acontecer.
Mil e seiscentos bombeiros num teatro de operações, é um número absolutamente exagerado do ponto de vista da gestão logística. Exige uma capacidade que o sistema não tem.
Por isso é que nós queremos um Comando Nacional de Bombeiros, que numa situação como esta, só se preocupa com a supressão do fogo. Não está preocupado com a evacuação das populações, não está preocupado com o corte das estradas, não está preocupado com a logística, nem com a capacidade de outros agentes de proteção civil estarem disponíveis ou não. Está concentrado naquilo que é a sua tarefa principal, articulando meios terrestres dos bombeiros com meios aéreos e com máquinas de rasto. E é isto que tem que ser entregue a uma única entidade, e responsabilizar essa entidade pelo sucesso ou insucesso da operação.
Apliquemos essa sua ideia a um caso concreto. Serra da Estrela, por exemplo, é o maior incêndio do ano. Se existisse um Comando Nacional de Bombeiros, o que é que tinha sido diferente na gestão daquele incêndio?
Eu não posso dizer o que é que podia ser diferente, porque não sou o comandante nacional desse grupo de bombeiros e, portanto, nós estamos […]