Basta aumentar um bocadinho a temperatura, e lá vem a conversa dos riscos, dos fogos, das limpezas e, já agora, dos interesses obscuros à roda dos fogos.
Por partes.
Aumentar a temperatura, por si, aumenta pouco o risco de incêndio (quando em escrevo risco de incêndio não estou a falar de haver mais ou menos fogos, mas sim de cada um deles representar um aumento do risco de dar origem a grande fogos incontroláveis).
Eu não entendo a conversa, vinda de bombeiros, protecção civil, jornalismo e fontes diversas, sobre alertas e afins sobre estes dias de temperaturas altas, não vi nada de relevante quer na intensidade do vento, quer na humidade atmosférica, que justifique o barulho público (coisa diferente é a informação técnica para quem combate fogos, que com certeza deve circular, porque vai haver mais uns fogos, e um bocadinho maiores e mais demorados, sem grandes riscos associados, mas que é preciso gerir).
Esta psicose é que dá origem às confusões que são referidas na ligação acima, sobre a contratação de meios aéreos, mas sobre financiamento de bombeiros, sobre vendas de equipamentos, sobre fornecimento de refeições, sobre utilização de combustíveis, o que se entender, quando existe um serviço que precisa de ser prestado com urgência e em quantidades razoáveis, o risco de más decisões (umas por corrupção, outras por incompetência, convém nunca desvalorizar o potencial negativo da incompetência) é altíssimo.
A montante de tudo isto está uma doutrina errada sobre fogos, que dá origem a muita legislação performativa (nem conhecia este conceito, mas Paulo Fernandes vai-me mandando umas coisas curiosas e divertidas que me permitem ir-me actualizando), isto é, legislação com objectivos, medidas, calendários que visam demonstrar que se quer fazer alguma coisa, mas que ninguém sabe como se aplica na realidade, a muita decisão igualmente performativa no mesmo sentido, como a da semana passada sobre mais dinheiro despejado sobre as equipas de sapadores florestais.
Esta coisa dos sapadores florestais é mesmo um bom exemplo, uma ideia que parece boa (o Estado pagar a pessoas para fazer gestão florestal que é fundamental para gerir o risco de fogo), mas cujo desenho esquece a realidade, criando um monstro sugador de recursos, completamente ineficiente e sem avaliação consequente.
As equipas de sapadores, que custam uns 65 mil euros anuais por equipa ao Estado, gerem em média uns 40 hectares de combustíveis, um pastor com 150 cabras gere uns 100 hectares de combustíveis, e toda a gente tem medo de desenhar um programa sério para lhe pagar esse serviço, por causa da fraude, porque torna, porque deixa, e lá continuam os sapadores a torrar dinheiro sem efeitos visiveis, seja qual for o governo.
Quem diz pastor diz resineiro, caçador, conservacionista, qualquer agente económico (empresário puro e duro ou de sectores sociais), cuja remuneração pelo serviço de gestão de combustíveis seria incomparavelmente mais eficiente que com equipas de sapadores florestais ou a permanente invenção de novas medidas, sempre complicadas, sempre com intermediários, que alguém acha mais eficiente que o pagamento directo a quem presta o serviço.
Sempre, sempre, com medo da fraude que esses agentes possam cometer, como se a complicação e emaranhado de regras das alternativas não dessem origem a fraudes de muito maiores dimensões.
O país tem um cancro no mundo rural (o abandono por falta de competitividade da gestão de grandes áreas) e passamos o tempo, governo após governo, a distribuir aspirinas para controlar os sintomas (os incêndios).
Se a minha mãe não tivesse insistido tanto na ideia de que há limites de boa educação que nunca devem ser ultrapassados, eu dir-vos-ia o que fazer à conversa sobre fogos.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.