Não devemos contar cegamente com as chuvas de março, por mais bem-vindas que tenham sido. A questão é maior e veio para ficar, por isso é essencial uma maior resiliência dos sistemas de abastecimento de água
Imagine um fabricante de automóveis que, a um grande custo, construiu, captando parte dos recursos existentes em determinado País, 100 carros novos considerando os mais recentes padrões de segurança. Agora imagine enviar 20 carros diretamente para reciclagem, enquanto distribui outros 10 gratuitamente aos clientes, pelo que, na realidade, só vende 70 dos 100 carros que fabricou. Na verdade isso quer dizer que os clientes pagam muito mais por cada um dos 70 carros, sendo que ainda há a considerar o pagamento dos custos com os 20 carros enviados diretamente para tratamento na reciclagem. Esse é um modelo de negócio insustentável, mas é a realidade do setor da água português na última década, com uma média de 30% de um recurso vital perdido fisicamente ou não faturado, sendo que alguns “fabricantes” chegam a perder 80% do produto que distribuem no mercado. Agora imagine outro fabricante de automóveis que capta, nesse mesmo País, recursos para construir não 100 mas sim 800 carros e que desses envia 160 para reciclagem e oferece 100 carros. Agora imagine que esse País é subitamente confrontado com uma redução dos recursos.
Faz sentido pressionar apenas o fabricante mais pequeno para que os recursos existentes cheguem para todos os fabricantes, ou faz mais sentido começar por ajudar o fabricante maior a aumentar a sua eficiência para que os recursos libertados cheguem para todos?
De fato, também no domínio dos recursos hídricos, existem setores com muito maior utilização de volumes captados, como é o caso agricultura face ao setor urbano. O abastecimento de água para consumo humano é um serviço universal, pelo que, toda água que se perde, antes da sua chegada à torneira do consumidor, representa um prejuízo de enormes dimensões, não apenas do ponto de vista económico e ambiental. Os níveis de perdas devem ser controlados para garantir que as origens de água não sejam postas em risco, bem como, para evitar desperdício de recursos ligados ao tratamento, transporte e distribuição, tornando-se os ganhos obtidos uma fonte suplementar de água e, de facto, de rentabilidade, pelo que é essencial reduzir o nível de perdas. Trata-se de um desafio abrangente e requer uma pluralidade de ações, tanto num amplo espectro de funções, quanto verticalmente dentro da hierarquia – das equipas técnicas até ao conselho de administração.
A economia é apenas um aspeto a considerar, havendo outros fatores decisivos que devem levar à ação. Escassez de água, energia, impacto ambiental, uso racional da água, qualidade e eficiência do serviço impactam nas entidades gestoras e estão ligados ao controlo das perdas de água. A cimeira da COP26 destacou a necessidade urgente de ação ao nível global, com a água para consumo humano em níveis críticos ou para lá disso em muitas áreas geográficas, evidenciando a sua disponibilidade como um dos fatores determinantes para a vida sustentável. Isto reforça a necessidade de uma gestão mais eficiente dos recursos hídricos em uníssono com a eficiência energética e os impactos ambientais. A escassez de água é um problema que já não pode ser visto como um evento periódico, […]