Desde há vários anos que a Portaria nº 631/2009, de 9 de Junho, vem sendo objecto de discussão, pois é reconhecidamente inexequível e fortemente condicionadora da valorização agrícola dos efluentes pecuários (estrumes e chorumes). Ademais não considera os adubos minerais que, por sinal, são predominantes nas situações de elevada produtividade agrícola, e, por conseguinte, mais susceptíveis de eventualmente poluírem as águas superficiais e subterrâneas. Ora os mencionados correctivos orgânicos revestem-se do maior interesse, tanto agronómico (melhoria da estrutura dos solos, maior retenção de água, fornecimento de nutrientes vegetais, etc..), como ambiental (sumidouro de carbono com impacto muito positivo na mitigação das alterações climáticas, adsorção de catiões, defesa contra a erosão, etc.). Normalmente a sua incorporação nos solos é complementada com a aplicação também de adubos minerais, com vista a maximizar a rendibilidade das culturas agrícolas.
Todavia, o diploma legal supramencionado discrimina negativamente a valorização agrícola dos efluentes pecuários relativamente aos adubos inorgânicos, na medida em que, com excepção das zonas vulneráveis, só aqueles são sujeitos a um apertado controlo administrativo, a que estão associados custos de contexto não despiciendos.
Por outro lado, para muitas pessoas e em certas circunstâncias são classificados como resíduos, quando na verdade se revestem do maior interesse em termos de economia circular, na medida em que incorporam no solo nutrientes presentes nos adubos inorgânicos e provenientes de fontes não renováveis – como o fósforo, o potássio e diversos oligoelementos minerais – , para além de economizarem azoto, cuja presença em adubos sintéticos implica uma reacção (processo de Haber-Bosh) que consome cerca de 2 por cento de toda a energia produzida no mundo (Fiolhais & Marçal, 2018).
A propósito do que precede, será pertinente atentar na recente interessante declaração do Senhor Secretário de Estado do Ambiente (Ingenium, 2018): « Do ponto de vista das políticas tradicionais em lidar com os resíduos, estamos também com outro tipo de desafios, desafios na própria Administração Pública, que estava muito preparada para uma certa legislação, um tipo de fiscalização, uma abordagem na temática dos resíduos e que agora vai ter de fazer uma reconfiguração para outro estádio que é muitas vezes desclassificar o estatuto de resíduo e passar ao estatuto de subproduto ou de matéria-prima alternativa, e isso é também uma nova forma de estar.» Também importa relevar a seguinte afirmação: «Muito daquilo que considerávamos que eram resíduos, teremos, rapidamente, de assumir que são as matérias-primas dos produtos do futuro.»
Como conclusão do que antecede e tendo em conta que cumpre conciliar vantagens agronómicas e ambientais no que à prática das fertilizações diz respeito, na nossa opinião a aplicação de efluentes pecuários e de adubos minerais deveria ser registada no caderno de campo dos agricultores, sem outras exigências burocráticas, certo que só deste modo se terá conhecimento de todos os nutrientes vegetais utilizados em cada parcela de terreno – independentemente da sua origem, orgânica ou inorgânica – e das condições em que os mesmos foram aplicados, nomeadamente no que tange às orientações e directrizes estabelecidas no Código de Boas Práticas Agrícolas.
Manuel Chaveiro Soares
Engenheiro Agrónomo, Phd
Matéria Orgânica do Solo e Ambiente – Manuel Chaveiro Soares