Em Melgaço, berço da célebre casta de vinho verde, da soma de uma imensidão de parcelas, exploradas por pequenos viticultores, fez-se a força da Soalheiro
O ritmo acelerado das vindimas durante a manhã é imposto pelas ameaças de chuva. Ainda assim, as videiras molhadas do dia anterior encharcam braços e troncos. Focados no corte das uvas, entre as mais de 30 cabeças ali reunidas, voluntariamente, não se ouvem queixas do trabalho. Hoje, dedicam-se aos terrenos de Alice Pires e Manuel Castro, 53 e 51 anos, em Melgaço. Amanhã, será a vez de outros. A entreajuda de famílias, amigos e vizinhos é a norma na região do Alvarinho, encravada no vale do rio Minho. “Já fui a seis vindimas, sou um Cristo!”, brinca Manuel. “Mas essa malta depois vem toda para as minhas terras, não tenho de pagar a ninguém”, explica. No dia anterior, a mulher esteve incansável nos preparativos do almoço servido aos trabalhadores, no salão renovado para estas ocasiões. “Preferia andar pelo campo, mas agora tenho de ficar em casa a fazer a ‘pandulha’”, diz Alice. Rancho, carne estufada com ervilhas e meia dúzia de sobremesas, feitas pelo filho do casal, compõem o banquete. “Combinamos as refeições uns com os outros para não ser tudo igual: cozido, feijoada, frango estufado… ninguém quer ficar mal! Durante o dia há muito trabalho, mas quando se sentam à mesa, é só reis”, descreve. O nervoso miudinho da dona da casa só é ultrapassado quando todos estão servidos e pelas duas mesas corridas só se veem caras de satisfação… e alguns brindes. Repete-se o lugar-comum: a vindima é uma festa. “Esta altura é boa por tudo, porque é o resultado de um ano inteiro de trabalho e cai o dinheirinho ao fim”, aponta Alice.
A maioria dos viticultores da sub-região de Monção e Melgaço é proprietária de pequenas parcelas de vinhas, não contínuas, que trata em part-time e que constituem um bom reforço do orçamento familiar. Pessoas com todo o tipo de ocupação profissional, maioritariamente de classe média. Manuel, funcionário do município, ajuda Alice, doméstica, a cuidar das cinco parcelas, donde retiram cerca de 11 500 kg de uvas, que sempre venderam à Soalheiro, a primeira marca de Alvarinho em Melgaço, lançada em 1982. Desde então, a paisagem do território mudou profundamente. “Dantes havia mais milho, agora é sobretudo vinha, porque é a única coisa que dá”, diz Alice. Conhecida como a uva mais cara do País (paga a €1 por quilo), constitui um rendimento suplementar considerável para estas famílias.
A política da Soalheiro – através da associação sem fins lucrativos a que chamaram Clube de Produtores de Monovarietais de Vinho Verde, onde reúnem mais de 150 viticultores – tem sido a de apoiar a sustentabilidade económica e social deste território. “Quando tiramos a terra às pessoas, tiramos as pessoas de trabalhar na terra. Foi o que aconteceu no Douro. Estão dependentes dos rendeiros e essa mão de obra nunca vai ser tão cuidadosa como a nossa, que está a cuidar de algo que é deles”, considera Luís Cerdeira, 49 anos, responsável pela enologia e pela gestão desta empresa familiar, fundada pelos pais. Fala da Soalheiro como “uma família de famílias”, cujas histórias se confundem. “Estamos a ser egoístas: ao fixarmos as pessoas na terra, mantemos o nosso negócio e a sustentabilidade de todos. Mas fazemos negócios justos. Tem de haver uma linha o menos inclinada possível, desde o produtor à distribuição. Isso […]