A domesticação de animais
“O processo de domesticação animal iniciou-se, de acordo com evidências arqueológicas, há mais de 30.000 anos. É desse período o fóssil de cão (“Cão de Goyet”) encontrado numa gruta no atual território belga e que se encontrava misturado com evidências da presença humana.
Contudo, a domesticação de animais para consumo humano ocorreu mais tarde, tal como sugerem os dados arqueológicos recolhidos no Médio Oriente e na China. Há cerca de 10.000 anos o Homem procedeu à domesticação da cabra, da ovelha e da galinha. Um pouco mais tarde ocorreu a domesticação de animais de maior porte, como a vaca e o cavalo, com o intuito de ajudar no processo agrícola. O aproveitamento do leite como fonte alimentar é ainda mais recente.
Suméria
Apesar de existirem provas da domesticação de gado bovino na região da Suméria desde 8000 a. C., as evidências arqueológicas demonstram que as vacas leiteiras só se tornaram expressivas por volta de 3000 a.C.. Foi nesse período que se construiu o templo de Ninhursag, na cidade Suméria de Tell al Ubaid (atual sul do Iraque), onde existe um friso escultórico que mostra a ordenha, o armazenamento do leite, o processo de coalhar e a produção de manteiga.
Egipto Antigo
Há provas arqueológicas da domesticação da vaca desde 3100 a.C.. Apesar dos textos do Egipto Antigo não descreverem o uso do leite, da manteiga e do queijo como parte da dieta do seu povo, existem numerosas imagens (pinturas e gravuras) onde é visível a ordenha de vacas. Há ainda imagens que representam homens a carregar potes cheios de leite. Num túmulo de Tebas, datado da décima nona dinastia (1293 a. C. até 1185 a. C.), há também a representação de uma mulher a manipular queijo.
Igualmente por provar está o banho de Cleópatra (69 a. C. a 30 a. C.) em leite de burra. Devido ao extremo calor da região, o leite azedava muito rapidamente, tornando o banho numa experiência desconfortável.
Grécia Antiga
Na Grécia antiga há evidências do consumo de leite e do uso da manteiga, embora bastante limitado. Estes produtos estavam muito associados à colunária Trácia, adquirindo um significado depreciativo. Os Trácios foram retratados por um autor grego como sendo “comedores de manteiga”. Para os Gregos o uso mais nobre do leite traduzia-se na produção de queijos, nomeadamente de cabra e de ovelha. Este era ingerido sozinho, ou acompanhando pratos de carne ou de peixe.
Mithaecus (século V a.C.), um cozinheiro grego autor do primeiro livro culinário conhecido, descreve o uso de queijo misturado com peixe. Contudo, o seu uso em pratos de comida era controverso. Archestratus, um poeta grego da cidade-estado de Siracusa (atual Sicília – Itália), escreve que os cozinheiros de Siracusa “estragavam” bom peixe quando adicionavam queijo ao cozinhado.
Roma Antiga
A necessidade de utilizar o leite na alimentação foi, durante muito tempo, uma questão secundária. A principal fonte de gordura na zona do mediterrâneo era fornecida pelo azeite, relegando o leite para uma posição secundária na alimentação. O seu uso no interior do Império Romano desenvolveu-se com maior pujança em áreas onde o azeite não estava disponível em quantidade suficiente.
Contrariamente ao que acontece atualmente, não existiam raças leiteiras e os animais eram usados principalmente como animais de trabalho, ou valorizados como fornecedores de lã, de peles e de carne. Por essa razão a produção leiteira era diminuta e o consumo de leite estava confinado ao mundo rural.
Contudo e especialmente nas áreas mais afastadas do mediterrâneo, o leite era um produto alimentar valorizado e com uma hierarquia própria. O leite de ovelha e de cabra era mais apreciado do que o leite de vaca. Mas entre os produtos lácteos, o queijo assumia uma importância adicional, especialmente o queijo seco, pela facilidade de transporte e pela capacidade de conservação. O uso de manteiga não fazia parte dos hábitos alimentares romanos, sendo conotados com usos dos bárbaros (povos não romanizados e tidos como inferiores).
Idade Média
O uso do leite enquanto produto alimentar sofreu, durante a Idade Média, dos mesmos problemas encontrados em épocas mais remotas: o da conservação. A forma mais eficaz de prolongar o período de validade do leite era transformá-lo rapidamente em queijo e em manteiga. Enquanto o leite era um produto alimentar mais usado no meio rural, o queijo e a manteiga tinham a capacidade para serem transportados para os meios urbanos.
Devido ao seu sabor, o leite de vaca era mais apreciado que o leite de ovelha ou de cabra. Dado encontrar-se em maior quantidade na Europa, o leite de vaca era frequentemente transformado em manteiga, especialmente em área ricas em gado, como era o caso do Norte da Europa. O seu uso era essencialmente culinário. O queijo era a forma mais duradoura de preservar o leite, sendo que poderia ser fresco ou curado.
Na Europa medieval o aproveitamento do leite para fins alimentares entrou numa rota de crescimento que, em épocas mais recentes, beneficiou de avanços agrícolas e da seleção e apuramento de raças produtoras de leite. O crescimento exponencial do uso do leite, ou dos seus derivados, está bem patente em inúmeras iluminuras e pinturas das Idades Medieval e Moderna.”
(texto do Gabinete de Arqueologia Municipal de Vila do Conde, exposto na feira Portugal Rural e publicado depois na Revista “Produtores de Leite)
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