A difícil gestão dos caudais do rio Tejo tem vindo a ser noticia. Pelas piores razões, foi-o há cerca de um ano, quando se registaram problemas evidentes na qualidade das suas águas junto a Vila Velha de Ródão e tornou a sê-lo nos últimos meses, face à manifesta escassez de água que se verifica em alguns dos seus troços. Esta é uma situação recorrente, que se manifesta de forma aguda quando se vive um período de seca mais ou menos prolongada.
Mas sobre o mesmo assunto têm igualmente chegado algumas boas notícias, que abrem perspetivas quanto à resolução deste problema e que mostram que Portugal ainda não desistiu do seu rio mais importante. Há cerca de um ano ganhou corpo uma ideia que ficou conhecida por “Projeto Tejo”, que tem vindo a percorrer um caminho de consolidação. É um projeto que assenta na instalação de um conjunto de diques (rebatíveis) ao longo do rio, visando gerir, nos seus diversos troços, o nível da água do Tejo. Prevê ainda um conjunto de captações de água para rega, beneficiando diversas zonas do vale do Tejo, da região oeste e até da região de Setúbal.
Nas últimas duas semanas, foi igualmente notícia que a barragem do Alvito, no rio Ocreza (afluente do Tejo), poderá vir a ser mais do que uma simples miragem. Primeiro num excelente artigo do eng. Pedro Cunha Serra no jornal PÚBLICO, depois na notícia de que o ministro do Ambiente irá espoletar os estudos necessários para que uma decisão seja tomada a seu respeito.
Tentemos identificar melhor o problema. Será verdade que existe pouca água disponível na bacia “portuguesa” do Tejo? Como se verá de seguida, esse está longe de ser “o problema”. De facto, as afluências superficiais anuais (em ano médio) são cerca de 12 mil milhões de m3 de água, para os quais apenas temos uma capacidade útil de armazenamento (em albufeiras) de pouco mais de dois mil milhões de m3 – isto é, em ano médio podemos armazenar menos de 20% da água que aflui naturalmente à bacia do Tejo. A esta limitação junta-se uma outra: a albufeira de Castelo de Bode, localizada na bacia do rio Zêzere (principal afluente do Tejo), “liberta água” para jusante numa lógica de produção de energia (com exceção do caudal ecológico que é obrigada a manter), e não com uma preocupação de regularização do caudal do rio. Para termos a noção do que isto (não) significa, do lado espanhol existe uma capacidade de armazenamento de aproximadamente 100% do volume das afluências em ano médio. Fica claro que Portugal não fez ainda o que lhe compete nesta matéria.
Perguntar-se-á: com o processo de alterações climáticas e o impacto que se estima no regime de precipitação (que, recorde-se, não é tanto de uma redução significativa do volume médio anual – que nos cenários trabalhados pela APA poderá ser uma redução da ordem dos 5-7% na região hidrográfica do Tejo –, mas sim da sua mais irregular distribuição ao longo do tempo) faz sentido aumentar a capacidade de armazenamento e de gestão das afluências através de novas infraestruturas? A resposta é sim. Mais do que nunca, faz todo o sentido. De facto, quanto mais prováveis forem os fenómenos extremos de precipitação (mais e mais prolongados períodos de seca, e maior incidência de períodos mais curtos com elevadas quedas de precipitação), mais falta fazem as estruturas que permitam regularizar as afluências que acorrem à bacia do Tejo.
E é aqui que, com diferentes mas conjugadas funções, a futura barragem do Alvito (não um “pequeno” Alvito, mas um Alvito que permita armazenar qualquer coisa à volta dos 1000 milhões de m3 de água) e o Projeto Tejo podem casar-se de forma quase perfeita: o primeiro promove um aumento significativo da capacidade de armazenamento a montante, e o segundo assegura um conjunto de estruturas ao longo do rio que permitam manter e gerir níveis de água mais compatíveis quer com a “saúde” do rio, quer com os diferentes usos a que a água se destina.
Nestes usos, a agricultura é uma peça-chave. Estas obras (devidamente estudadas e dimensionadas) poderão permitir (1) a criação de novas áreas infraestruturadas para o regadio, (2) a substituição da origem da água utilizada para rega (de águas subterrâneas para águas superficiais) e (3) a garantia de mais e melhor água para zonas que já hoje em dia regam a partir do rio Tejo.
O “problema” é, pois, em Portugal fazermos o que nos compete em matéria de gestão dos recursos hídricos que afluem anualmente à “bacia portuguesa do Tejo”. E é nesse sentido que tanto as recentes notícias sobre a predisposição de se avançar com a barragem do Alvito no rio Ocreza, como as ideias que constituem o Projeto Tejo são, definitivamente, uma excelente notícia. São soluções prontas e sem problemas? Claro que não. Existem diversos aspetos que têm que ser aprofundadamente estudados, e valores eventualmente conflituantes que têm que ser ponderados. Mas que são boas notícias, lá isso são.
Numa nota final, as boas notícias não terminam aqui: existem também sinais evidentes da vontade política em avançar (será desta?) com a barragem do Pisão-Crato (foi criado um grupo de trabalho para ponderar esta decisão), no distrito de Portalegre, e com a infraestruturação de cerca de 9000 hectares para regadio, a partir dessa nova albufeira. Diríamos que o aproveitamento Pisão-Crato está para o vale do Sorraia como Alvito e o Projeto Tejo estão para o vale do Tejo, de que o Sorraia é afluente.
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico