Devemos estar preparados para pagar mais pela água e é sobretudo na agricultura que as mudanças são inevitáveis. Poupar no consumo doméstico não é a solução milagrosa. “É mesmo na agricultura que estão os grandes números”, frisa Joaquim Poças Martins, professor de Hidráulica e Ambiente da FEUP. Sara Correia, da associação ambientalista Zero, concorda. “Não devemos ser alarmistas e dizer que está em risco a disponibilidade de água para consumo humano, porque não está”, afirma. Pelo menos para já.
Com 40% do país em seca severa ou extrema, o Governo avançou no início do mês com medidas restritivas ao consumo de água no Barlavento algarvio. De acordo com os dados científicos, não só as situações de seca serão cada vez mais comuns nos próximos anos, como se antecipa uma redução da precipitação entre 10% a 25%, o que traz para o debate público o modo como teremos de adaptar o consumo a um quotidiano com menos água. Para os especialistas contactados pelo Negócios, é sobretudo ao nível da agricultura, na gestão das redes urbanas e na escolha das origens de água, que se antecipam as maiores mudanças. A nível doméstico, embora seja expectável um aumento dos custos, não são, para já, necessárias alterações.
“Uma pessoa que gaste 100 a 120 litros de água por dia não tem de se sentir culpada. E isso já inclui um duche de três ou quatro minutos. Não faz sentido estar a pensar se vou bochechar duas ou três vezes ao lavar os dentes, pois estamos a falar de quantidades mínimas”, garante Joaquim Poças Martins, professor de Hidráulica e Ambiente na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). O consumo urbano da água no País é apenas 10% do total, refere o académico, para quem, em Portugal, “as pessoas não gastam muita água”. “Mesmo durante as secas, no País, não há nenhuma razão para poupar essa água em casa. É na agricultura que estão os grandes números”.
Sara Correia, da associação ambientalista Zero, concorda. “Vemos medidas a serem aplicadas de forma tardia e com impacto pouco significativo. Ouvimos falar de restrições ao uso da água para piscinas ou para regar espaços verdes, mas isso não tem um grande impacto ao nível dos consumos”, diz. Para a ambientalista, está a colocar-se a responsabilidade da poupança num setor que não é o que mais consome. Ainda assim, defende ser importante sensibilizar a população para a situação de seca e para a necessidade de reduzir os consumos. “Mas não devemos ser alarmistas e dizer que está em risco a disponibilidade de água para consumo humano, porque não está”, afirma.
Gerir melhor os recursos
Um estudo realizado em 2021 por Rodrigo Proença de Oliveira, investigador do Instituto Superior Técnico (IST), para a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) mostra que, desde meados do século XX, houve uma redução de cerca de 20% no volume de água disponível em Portugal. O que, somado à diminuição prevista da precipitação – que se prevê que seja entre 10 e 25% até ao final do século – implica que se encontrem modelos mais eficientes de gestão da água. “Temos de gerir melhor a água que temos. Se a gerirmos melhor, temos água que chegue”, afirma Joaquim Poças Martins, para quem não é possível “continuar com o relacionamento com a água que temos tido até agora”.
“Vamos ter de aprender a viver com menos água”, concorda Sara Correia, para quem gerir melhor este recurso passa, entre outras coisas, por reduzir as perdas nos sistemas municipais de distribuição. Alguns municípios, alerta, registam perdas acima de 50% ou 60%, como é o caso de Estremoz (76,4%) ou Vila Nova da Cerveira (85,3%). Em média, refere a ambientalista, o setor urbano acumula 30% de perdas num cenário nacional caracterizado por extremos, com “municípios que são um excelente exemplo de controle das perdas e outros com percentagens de perdas muito elevadas”. […]