Vi esta imagem há meses, sem indicação do autor. Discordo. Sugere uma ideia repetida nos últimos anos com tal insistência que se tornou “senso comum”. Segundo essa ideia, a fruta maior e mais bonita é produzida ou conservada usando venenos (pesticidas), enquanto a fruta mais feia e mais pequena é produzida “sem venenos”. Pode ser uma imagem enganadora.
O medo é uma emoção essencial à nossa sobrevivência, porque nos afasta dos perigos, mas é também uma emoção aproveitada para nos manipular de modo a afastar-nos de umas escolhas e conduzir-nos para outras, regra geral, para o negócio que interessa a quem instiga esse medo.
Mas então não será preferível comer fruta feia sem resíduos de pesticidas em vez de fruta bonita com venenos? Certamente que é preferível comer fruta sem resíduos, seja feia ou bonita. O problema é que a beleza da fruta, das hortícolas ou das pessoas, por si só, não é garantia de nada.
Duas caixas de fruta, pequenas ou grandes, feias ou bonitas, sãs ou com pontos de podridão, podem ter sido produzidas no mesmo pomar, submetidas aos mesmos tratamentos, e ter sido feita uma escolha separando por calibre e por aspeto ou estado de conservação.
É muito provável que ambas tenham sido tratadas com pesticidas, porque se não combatemos as pragas e doenças a produção é reduzida ou pode ser toda destruída. Poderão ter sido usados pesticidas de origem natural ou de síntese, mas para terem efeito protetor terão que ser “venenosos” em relação às pragas e doenças. Por isso, procurar o selo de certificação do modo de produção na embalagem (biológico, produção integrada ou outro sistema), é mais importante do que o aspeto da fruta.
Pode ter acontecido muita coisa. Pode ter acontecido que na fruta com bicho, com pior aspeto, tenham sido usados um ou vários pesticidas, mas pesticidas errados ou na dose errada, enquanto na fruta mais bonita foi tudo feito de acordo com as regras.
No limite, pode ter acontecido que ambas as frutas tenham sido tratadas com o mesmo produto, mas por causa da dose ou da data de aplicação uma das frutas já não tenha resíduos, já tenha passado o devido intervalo de segurança (intervalo de tempo) e na outra ainda haja resíduos.
Há pessoas que vivem assustadas com a ideia de serem usados produtos químicos na produção de alimentos. Mas os pratos onde comem todos os dias também são lavados com um produto químico (detergente), só que nas últimas lavagens a água arrasta os resíduos do detergente. Também na comida, o importante é que não fiquem resíduos, e isso garante-se usando produtos legais, aplicados por pessoas com formação, seguindo conselho técnico, usando equipamentos afinados, com a dose correta, aplicada da forma correta, na data indicada e respeitando o intervalo de segurança e fazendo controlos.
Por outro lado, pode acontecer que não tenha sido feito qualquer tratamento, pode não haver qualquer resíduo de produto químico, mas o alimento estar contaminado com sujidade que pode conter bactérias que causam doenças mais ou menos graves.
O meu ponto é o seguinte: pode ter acontecido muita coisa que não podemos adivinhar ao tirar conclusões precipitadas através do aspeto, seja feio ou bonito.
Acusar a fruta mais bonita de ter veneno é como acusar os vencedores de uma corrida de usarem doping ou os estudantes com melhores notas de copiarem. Ora nós sabemos que “copiar” ou “dopar”, só por si, não é garantia de bons resultados. De Doping não tenho experiência, mas do tempo da escola lembro-me que quem copiava, regra geral, era quem estava mais atrapalhado e mesmo a copiar muitas vezes tirava as piores notas. Insisto: a seriedade de agricultores, estudantes ou desportistas não se pode determinar apenas ordenando ao contrário a tabela de resultados.
Eu não sou produtor de fruta para vender. Não escrevi isto para me defender. Tenho apenas uma dúzia de árvores no pomar que às vezes produzem bem, outras vezes não produzem e muitas vezes dão apenas fruta pequena e feia, porque não faço os tratamentos que devia. Gosto de comer essa fruta de casa e também do mercado, de uma pequena loja ou do supermercado. E sei que uma loja ou supermercado tem que ter mais cuidado a analisar e controlar regularmente os alimentos que vende, porque se for encontrada uma peça de fruta ou uma alface contaminada numa loja, os consumidores de todo o país vão fugir dessa cadeia de supermercados.
Uma ressalva: Este texto não é, de modo nenhum, uma crítica a um projeto fantástico chamado “fruta feia”, que coloca à venda as frutas fora de calibre, com pior aspeto. É ótimo evitar o desperdício de fruta que esteja boa, só por ter mau aspeto, mas ter mau aspeto também não quer dizer que seja boa. Só isso.
Tanto quanto possível, tenha o seu pomar ou uma fruteira no jardim. Tanto quanto possível, compre produtos locais ou nacionais. Tanto quanto possível, compre fruta e hortícolas da época, numa dieta completa com um pouco de tudo, mas sem medos irracionais que parecendo lógicos são enganadores.
Adaptado do que escrevi para os leitores do Mundo Rural em setembro-outubro de 2024. Bom apetite!
O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.