Estudo compara políticas e apoios públicos à indústria da carne e do leite e às alternativas de base vegetal. Indústria estabelecida desempenha “papel activo” na resistência à mudança na Europa e EUA.
Não é fácil mudar um sistema tão central para a nossa alimentação como a produção e consumo de produtos de origem animal. Mesmo com todos os alertas para a necessidade de redução da produção de carne, em particular de carne vermelha, devido à sua pegada ecológica, um estudo norte-americano revela que ainda falta legislação e apoios públicos para abrir espaço para as inovações tecnológicas que estão a produzir alternativas de base vegetal ou cultivadas em laboratório.
Uma análise de investigadores da Universidade de Stanford comparou as políticas nos EUA e na União Europeia (UE) relacionadas com as alternativas à carne e aos lacticínios que são produzidas à base de plantas ou cultivadas em laboratório, mostrando que, entre 2014 e 2020, a legislação não tinha conseguido garantir condições de concorrência equilibrada no sector alimentar. E não se trata apenas de inércia do sistema: “A indústria estabelecida está a desempenhar um papel activo, através de influência política, na obstrução de uma transição sustentável do sistema alimentar”, escrevem os investigadores.
O artigo Políticas públicas e interesses instalados preservam o statu quo da pecuária em detrimento dos produtos análogos aos de origem animal, publicado na sexta-feira na revista científica One Earth, revela que em 2020 não havia incentivos significativos para estes produtos alternativos, que podem ajudar a reduzir a dependência dos animais como fonte de alimentação.
Há vários pontos em comum entre os EUA e a UE: a produção de animais para alimentação é fortemente apoiada, há muito mais investimento – público na UE, privado nos EUA – em investigação e desenvolvimento de tecnologias relacionadas com a indústria da carne e do leite do que dos alimentos de base vegetal, cultivados em laboratório ou fermentados, e muito mais financiamento de lobbies da pecuária do que dos que promovem alternativas (se bem que a diferença seja muito mais desproporcional nos EUA).
Statu quo
O estudo mostra como o lobby da indústria da carne e dos lacticínios tem influenciado leis, regulamentos e políticas públicas para cortar o ar à concorrência de alternativas aos produtos de carne que têm menos impactos climáticos e ambientais.
“Uma ‘aliança de base’ formada por decisores políticos e empresas estabelecidas, sustentada por dependências mútuas, tende a manter o statu quo”, lê-se no artigo científico. “Sinais desta dinâmica podem ser encontrados em lobbies estabelecidos para excluir a linguagem da sustentabilidade das directrizes dietéticas nos EUA ou manter uma definição restrita de ‘leite’ e ‘produtos lácteos’ na UE”, descrevem os investigadores.
Esta resistência a mudanças estruturais também se nota através dos lobbies contra a introdução de políticas que “belisquem” a pecuária, que foram decisivos na Europa, por exemplo, no chumbo da inclusão do sector na Directiva das Emissões Industriais ou na reduzida ambição da dimensão ambiental da Política Agrícola Comum 2023-2027.
“Há provas de que as políticas públicas e apoios financeiros no âmbito da PAC 2023-2027 favoreceram o sistema alimentar de base animal e não foram capazes de resolver a questão das suas externalidades negativas”, explica ao Azul a autora principal do estudo, Simona Vallone, investigadora da Escola de Sustentabilidade Doerr […]