O fim das quotas leiteiras, em Abril de 2015, ditou o início da instabilidade e insegurança na indústria leiteira nacional. Tal insegurança levou muitos produtores a abandonarem o trabalho de uma vida, abandonando a atividade a que sempre se dedicaram. Outros continuaram, na esperança de melhores dias, continuando nesta insegurança que perdura até aos dias de hoje.
O ano de 2022 foi marcado por uma série de acontecimentos que têm colocado os produtores numa situação extremamente frágil, chegando hoje “quase” a um ponto de colapso financeiro. Marcamos 2022 como um ano de uma seca severa (o ano mais quente desde 1931), onde a atividade agrícola enfrenta dificuldades climáticas excecionais; inicia-se uma Guerra (para a qual ninguém estava preparado) que, sendo a Ucrânia um dos principais fornecedores de fatores de produção, assistiu-se a aumentos pronunciados dos cereais, energia e outros produtos utilizados na produção agrícola.
O aumento dos custos de produção, agravado desde a invasão da Ucrânia, e a escassez de pastagem, devido à seca severa, provocaram um aumento do preço dos bovinos (+10,9 %). Os produtores nacionais aproveitaram a oportunidade para vender os animais, reduzindo efetivos e as despesas inerentes. Outros, abandonaram a produção.
A produção de leite decresceu 2,7 % em volume, devido ao aumento significativo dos custos de produção e abandono da atividade. Esta queda leva as principais indústrias leiteiras a que no mesmo ano (2022), o preço do leite pago ao produtor duplique, aproximando-se dos 0,58 €, onde, mesmo assim foi insuficiente para compensar os custos de produção.
No presente ano, inicialmente em Junho, depois em Julho, para agravar a situação, as principais indústrias leiteiras passam uma grande “rasteira” aos produtores de leite nacionais, baixando em 0,08 €, o preço do leite pago a estes.
Em Agosto verifica-se uma grande azáfama entre os produtores, com um grande volume de vendas de bovinos, numa tentativa de reduzir o efetivo leiteiro e, consequentemente diminuição de despesas. Ainda não existe estatística a comprovar esta situação, pois são observações minhas, infelizmente.
Questiono-me, o que será dos produtores leiteiros até ao final do ano? Quantos resistiram? A maior parte não tem “descendência” para continuar o trabalho dos pais, não querem passar o mesmo “sufoco” num mercado tão instável, preferem um emprego com um ordenado fixo. Não crítico, muitos não têm a paixão que levou um dia os pais a dedicarem a sua vida às vacas, de manhã à noite, sem folgas, sem férias. Era um trabalho prazeroso, para muitos continua a ser, apesar de tudo, de cabeça sempre erguida, à espera de melhores dias.
O que será da Produção Leiteira Nacional? Será que o fim da Guerra irá normalizar (dentro dos padrões a que os produtores nacionais foram habituados nos últimos anos) a produção? Penso que o fim da Guerra poderá vir a normalizar os custos de produção, mas os produtores nacionais já viviam “mal” antes, não é verdade?
Tudo terá de passar por uma nova reestruturação de toda a cadeia do setor leiteiro. Por onde se começa? O “topo” não é intocável, difícil de atingir, difícil de abordar, difícil de negociar, mas não é intocável. As cooperativas têm uma obrigação para com todos os produtores – cooperar/ajudar (é o verdadeiro significado). Eu não vejo isso, cada vez mais só são comerciais, deixando e lado todas as preocupações que cada produtor tem. Pior ainda, trabalhando quase todas elas, de forma independente, não como uma união, para atingir determinado objetivo – a vossa ajuda!
Não é altura de revoluções, manifestações. É altura de raciocinar, elaborar estratégias. Quem vos apoia?
Os produtores de leite em Portugal são juguetes na mão de uns e outros, por entre promessas, de uns e outros.
Queridos produtores, “fechem a torneira” a leite de terceiros, protegem o vosso leite, incentivem os consumidores portugueses a beberem o vosso leite, só assim, a produção nacional será valorizada.
Será mais uma Guerra, à qual já estais a lutar nos últimos anos, onde cada batalha ganha conta até ao tão esperado objetivo final – um preço justo, para um leite produzido segundo toda a legislação europeia obrigatória e certificado segundo as normativas de Bem-Estar Animal de acordo com o protocolo Welfare Quality!
Cátia Lemos
Zootécnica