Quem conhece de perto a atividade agrícola, tanto o setor vegetal como o setor pecuário – que exige cuidados durante os sete dias da semana – fica surpreendido pela forma como hoje os agricultores europeus são frequentemente desconsiderados por políticos, que não raro tomam decisões sem fundamentação científica, mas sim com base na perceção popular; e também por alguns consumidores, nomeadamente por aqueles urbanos que vivem com desafogo e para quem o campo devia servir, principalmente, para instalarem uma casa de fim de semana, de preferência com piscina, court de ténis e, se possível, também uns cavalos.
Desconhecem os tempos horríveis por que passaram os seus avós, em que o consumo calórico era tão baixo que só tinha a vantagem de não lhes permitir engordar (dispensando assim o atual personal trainer) e o consumo de carne estava reservado para algum evento especial; em consequência de uma melhor alimentação, a atual geração tem em geral uma estatura marcadamente superior à dos seus antepassados e muitos apresentam excesso de peso, mormente quando comparados com os avós criados até meados do século XX, antes de se dar início à moderna agricultura, que agora – quando são servidos com abundância, variedade e a baixo custo – muitos urbanos condenam. Julgam que seria possível continuar a beneficiar de uma alimentação abundante, saudável e barata, e, concomitantemente, desfrutarem de uma paisagem tipo Rede Natura 2000. De salientar que os seus avós despendiam em alimentação mais de 50 por cento do rendimento disponível da família, enquanto hoje gasta-se em média menos de 20 por cento do referido rendimento.
É interessante recordar que, quando eu nasci, a agricultura ocupava quase metade da população ativa portuguesa; entretanto, a mecanização agrícola e o aumento da produtividade, tanto das culturas vegetais como dos animais de produção, permitiram um decréscimo muito acentuado do número de trabalhadores agrícolas (atualmente ronda os 5 por cento); esta diminuição da população ativa agrícola foi acompanhada por uma enorme deslocação para o litoral ou para o estrangeiro, onde a população rural passou a trabalhar nos serviços e na indústria. Mas a atual geração urbana não tem uma ideia rigorosa dos “bons velhos tempos” dos seus antepassados, que na verdade eram horríveis, nomeadamente em termos de alimentação e também no que concerne à salubridade das habitações, à saúde, à educação, ao bem-estar económico e social, etc., etc.
Em decorrência de todas estas melhorias, em Portugal a esperança de vida à nascença estava pouco acima dos 50 anos quando eu nasci, e, presentemente, eleva-se a 81 anos! Também a taxa de mortalidade infantil (até aos 5 anos) é das mais baixas do mundo.
Entretanto, desde o ano em que entrei na Universidade até ao presente, o número de estudantes do ensino superior aumentou 17 vezes!
Importa que os urbanos europeus tenham conhecimento que 1000 milhões de seres humanos ainda vivem em pobreza extrema, deitam-se todos os dias com fome e a mortalidade infantil é elevadíssima (em quatro dezenas de países ultrapassa 40 mortes por cada 1000 nascimentos, enquanto em Portugal é de 2,8), razões por que gostariam de abandonar a paisagem rural que habitam, quase sem intervenção humana, para se escapulirem para os países do Ocidente (EUA e UE), onde dispõem de alimentos em quantidade suficiente, segurança e liberdade.
Ao contrário do que é propagandeado por alguns ambientalistas e políticos pós-modernos, atualmente os fatores de produção que permitem elevadas produtividades (e.g. fertilizantes e fitofármacos de síntese) são submetidos a rigorosos testes de segurança, nomeadamente na UE-27 (Agência Europeia de Segurança dos Alimentos) e nos EUA (Food and Drug Administration), e, em complemento, posteriormente os alimentos consumidos pelos europeus são controlados por entidades oficiais competentes, cujos resultados são públicos e deixam-nos bastante tranquilos quanto à qualidade sanitária do que comemos. A diferença entre as aludidas duas Agências é que as decisões tomadas pela norte-americana são para cumprir, enquanto os pareceres emitidos pela europeia são aplicados só após passarem pelo crivo dos decisores políticos, muito sensíveis aos lóbis e à opinião publicada. Neste caso, os governantes não se apoiam apenas na evidência científica, mas têm também em atenção a perceção da população urbana, que em geral não tem formação sólida na área da alimentação e é influenciada erradamente por diversos grupos ideológicos, que consideram a ciência uma simples narrativa.
Gostaria de sublinhar que a população mundial triplicou nos últimos 70 anos, o que só foi possível graças às modernas tecnologias agrícolas, sem as quais metade da atual população mundial não teria sobrevivido à subnutrição. Agora é imperativo moral dos países ricos apoiarem aqueles que ainda vivem em pobreza extrema, razão primeira por que entendo que a UE-27 não deve diminuir a produção de alimentos e deve adotar os progressos proporcionados pela biologia molecular, à semelhança do que acontece nos EUA.
Engenheiro Agrónomo, Ph. D.
Um sonho tornado realidade graças à biologia molecular – Manuel Chaveiro Soares