De entre os principais riscos globais que afligem a Humanidade destaco a pobreza extrema – que afeta cerca de mil milhões de pessoas, que vivem com menos de $1,90 por dia e se deitam todos os dias com fome – e a problemática ambiental, que inclui diversos desafios que importa resolver urgentemente, com destaque para: (i) o aquecimento global, induzido pelas emissões de gases com efeito de estufa (os combustíveis fósseis são responsáveis por mais de 80% do total das referidas emissões); (ii) a exploração excessiva dos recursos naturais; (iii) a poluição do ar e da água; (iv) a biodiversidade; (v) o crescimento das cidades.
Todavia e embora seja difícil prever o futuro crescimento da população mundial, os demógrafos das Nações Unidas (ONU) admitem que se eleve dos atuais 7,7 para 9,7 mil milhões em 2050, e estima-se que a Humanidade necessite de mais 60% de alimentos do que precisa atualmente.
Em toda esta problemática, inerente à produção de alimentos e ao ambiente, os adubos azotados ocupam um lugar de relevo. Por um lado, 80% são fabricados com base no amoníaco (NH3), obtido por síntese de Haber-Bosch, a partir do azoto atmosférico e do hidrogénio resultante da reação entre a água e o gás natural – o que atualmente consome cerca de 2% da energia produzida no mundo (Pinker, 2018); adicionalmente, a aplicação não judiciosa dos adubos azotados na fertilização das culturas pode dar origem a perdas de azoto nítrico (NO3-) por lixiviação e, consequentemente, causar a contaminação indesejável das massas de água.
Por outro lado, o azoto é, por via de regra, o principal nutriente limitante das produções vegetais, dado que é um constituinte de compostos de interesse vital para a planta (Quelhas dos Santos, 2015); importa recordar que, sem o recurso à adubação azotada das culturas, a insuficiência de alimentos iria provavelmente reduzir a metade a população mundial (Roser & Ritchie, 2013).
Nestas circunstâncias não parece prudente condenar de forma ligeira a aplicação de fertilizantes inorgânicos, nomeadamente adubos azotados – sem os quais talvez este modesto autor, o caro leitor e mais cerca de 3,5 mil milhões de seres humanos não teríamos sobrevivido à subnutrição; a mesma carência alimentar iria penalizar também as futuras gerações, a não ser que se descubra alternativa no domínio da nutrição vegetal.
Trata-se de um grande desafio técnico que os cientistas da área da biotecnologia têm vindo a envidar esforços para superar. De destacar, entre muitos outros, o Prof. Voigt, do reputado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (com 97 laureados com o Prémio Nobel e, importa anotar, três em cada quatro estudantes recebem uma bolsa de estudo nesta universidade privada), onde Voigt lidera uma equipa, financiada por uma empresa de sementes, que tem em vista desenvolver grãos de cereais – como milho, trigo e arroz, de grande importância na alimentação humana – fixadores de azoto.
Também na Natureza, desde há muito tempo que é conhecida a possibilidade das plantas da família das leguminosas – como a ervilha, o grão de bico, a luzerna, a soja – formarem associações simbióticas com bactérias do género Rhizobium, em que a planta fornece à bactéria hidratos de carbono e sais minerais, e a bactéria fixa azoto atmosférico que cede à planta.
Em condições muito favoráveis, quanto à estirpe de Rhizobium, espécie de leguminosa e condições ambientais, a fixação simbiótica do azoto atmosférico atinge 500 kg/ha/ano (Quelhas dos Santos, 2015).
Entretanto, em artigo publicado em 2020, na prestigiada revista Nature Communications, o Prof. Voigt apresentou seis produtos obtidos por biologia sintética e comercialmente disponíveis. Entre estes anunciou que a empresa Pivot Bio (que iniciou a sua atividade com o apoio de diversos investidores, incluindo Bill Gates) criou o primeiro fertilizante biológico para milho, desenvolvido com intervenção da biologia sintética e que tem como ingrediente ativo uma bactéria que reduz a necessidade de adubos azotados de síntese: de salientar que, ao contrário destes, o azoto do aludido fertilizante biológico não é lixiviado e também o óxido nitroso () – poderoso gás com efeito de estufa – não é libertado para a atmosfera.
Segundo Voigt, em 2020 o fertilizante em apreço foi aplicado em cerca de 100 mil hectares, prevendo-se uma forte expansão em 2021. Entretanto, a Pivot Bio comunicou que irá também lançar no mercado um fertilizante biológico para o trigo.
É conhecida a relutância que a generalidade dos decisores políticos da UE-27 tem demonstrado relativamente à aplicação da moderna biotecnologia no âmbito da agricultura. Efetivamente, denotam especial recetividade aos lóbis ideológicos e à opinião pública – que, como também a generalidade dos políticos, não tem uma base de conhecimento no domínio da biologia molecular, revelando-se mais permeável à pseudociência do que aos pareceres emitidos por respeitadas instituições científicas, nomeadamente europeias e norte-americanas, especializadas em segurança dos alimentos e ambiente (e também em medicamentos, incluindo a recente aprovação da vacina contra a covid-19).
Curiosamente, há duas décadas, aquando da Lisbon European Council (2000) e Stockholm European Council (2001), a UE defendia que fossem desenvolvidos esforços em novas tecnologias, especialmente na biotecnologia; agora, porém, promove o modo de produção biológica, conforme decorre do Pacto Ecológico Europeu.
Diferente, todavia, é a atitude de Bruxelas no domínio da farmacologia; de facto, recentemente assistimos ao entusiasmo e apoio dispensados pelos políticos ao desenvolvimento de vacinas contra a covid-19, com recurso à moderna biotecnologia; também a população se revelou muito interessada nestas vacinas, sem questionar o recurso à biologia molecular, antes certificando-se da sua eficácia e segurança.
No tocante à agricultura, recentemente os governos de Itália e de França esboçaram algumas iniciativas reveladoras do interesse dos mesmos em debater a questão da aplicação da moderna biotecnologia ao melhoramento genético das plantas. Entretanto, até ao próximo dia 31 de Abril, a Comissão Europeia irá apresentar um estudo sobre a aplicação das novas técnicas genómicas, designadamente em plantas, animais e microrganismos, indicando inclusivamente o seu potencial uso.
Presentemente, a UE-27 importa mais de 30 milhões de toneladas de alimentos geneticamente modificados destinados à alimentação animal; a cultura está restrita ao milho geneticamente modificado e apenas em Portugal e Espanha.
Mas estou em crer que o estudo aprofundado da moderna biotecnologia e o exemplo da sua crescente aplicação na América do Norte, e em mais 27 países, acabarão por influenciar os políticos da UE-27 (mesmo que não tenham formação na área científica em causa) no sentido de tomarem também decisões racionais, fundamentadas na evidência científica, que evitarão que a UE deixe de acompanhar o progresso científico, indispensável à sustentabilidade dos sistemas de produção agrícola e, concomitantemente, à competitividade da economia.
Engenheiro Agrónomo, Ph. D.
Convencional vs Biológico: o Consumidor é quem decide – Manuel Chaveiro Soares