[Fonte: DN] Era uma frase revolucionária: “A terra, para quem a trabalha”. Pudéssemos pegar nela e transformá-la para a floresta portuguesa e daríamos um salto civilizacional.
Esta conversa ganhou de novo importância face à suposta unificação/separação da floresta, segundo a nova orgânica de Secretarias de Estado. Há três onde a floresta está: no Ambiente com a Secretaria de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território; no novíssimo Ministério da Coesão do Território onde mora a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional; e na Agricultura que tem a Secretaria de Estado da Agricultura e Desenvolvimento Rural. Não é engano nestas duas últimas: a diferença é entre Regional/Rural.
A ideia base de unir competências e fundos para agilizar quem tem responsabilidades sobre a floresta (leia-se incêndios) não pode prevalecer sobre a coisa em si – a floresta. Antecipa-se uma demolição de parte da máquina do Ministério da Agricultura, através da transferência de seus técnicos para a Coesão ou Ambiente (qual será?). A confirmar-se, esta medida é dramática pelo tempo necessário para que tudo volte a funcionar.
Uso aqui um trecho de Vasco Paiva, um consultor florestal independente, que manifestou esta semana nas redes sociais a sua perplexidade face à nova orgânica do Governo:
“Não dá para entender! Então a função produtiva da floresta desaparece? A floresta que produz, protege. E a floresta que protege também produz, são indissociáveis!
O que acontece aos milhares de produtores florestais e a toda a atividade económica ligada à floresta?
Desconhece-se a importância do sector florestal no rendimento de milhares de pequenos e médios agricultores, de trabalhadores da indústria e de numerosas famílias na criação de empregos e na contribuição para o Produto Interno Bruto?
Desaparece o carácter multifuncional dos espaços rurais? Então ainda não se percebeu que a floresta, a agricultura e a silvopastorícia são indissociáveis?
Não se entendeu que a proliferação dos fogos florestais está também associada ao abandono do espaço rural, à desertificação humana?
Não se entendeu que a forma de mosaico nos espaços rurais, com espaços agricultados intercalando com espaços florestais é uma das formas mais eficazes de travar a progressão de um fogo?
Não se percebeu que a defesa da floresta é fundamentalmente um problema de desenvolvimento rural? Não se aprendeu que não existindo atividade económica e pessoas o futuro dos espaços florestais e do meio rural está comprometido?
O desenvolvimento rural divorcia-se da agricultura e das florestas! Passa para o Ministério da Coesão Territorial!”
Não costumo citar textos tão longos mas, na verdade, esta é uma parte da contribuição cívica de alguém que conhece a realidade.
De facto, sabe-se que ao longo de décadas o Ministério da Agricultura nunca teve a floresta como prioridade. Mas isso não significa que a sua máquina administrativa não seja muito útil – e talvez a única que saiba exatamente o que está a fazer nestes dossiers.
Além disso, quando se começa a separar, na substância, a agricultura da floresta, comete-se o maior dos erros porque fica de um lado a produção alimentar e do outro a produção industrial de matéria-prima para celulose a madeira.
Uma mudança estrutural como esta tem de ser realmente bem explicada. Na verdade, deveria ser negociada politicamente com vários partidos e, caso não haja consenso, não subalternizar a floresta “agrícola” face à outra. Porque a floresta comestível fixa postos de trabalho e humaniza o território. Veja-se a procura de terrenos para o amendoal no Alentejo e Algarve, em consequência da falta de água na mais importante região mundial de produção de amêndoa – a Califórnia. Percebe-se, por este exemplo, a brutal riqueza e potencial que podemos retirar destes territórios se recusarmos a fatalidade das monoculturas. Quem sabe melhor quais as condições para autorizar o amendoal? A Coesão? O Ambiente? É óbvio que são os técnicos do Ministério da Agricultura.
Se não é por aqui a solução, então vamos continuar a despejar centenas de milhões anualmente na Proteção Civil para acudir a incêndios com cada vez mais aviões, batalhões de bombeiros e militares. Mas é uma guerra perdida à partida. E nunca chegará a haver nem Coesão, nem Desenvolvimento Regional, nem Desenvolvimento Rural.