Em Portugal, a manutenção do Mundo Rural passa pelo desenvolvimento do Regadio. Para tal é precisa água, da qual não há falta no País. O que há é falta de gestão. A chuva está mal distribuída, sendo excedentária a Norte e escassa a Sul e acontecendo no Inverno, quando é necessária no Verão. Tal resolve-se com a “Autoestrada da água”, um sistema de transferência de caudais [Douro-Tejo-Guadiana] constituído por estações de bombagem e canais ao longo do interior do País.
INTRODUÇÃO
Portugal precisa dum Interior forte, dinâmico e economicamente sustentável, que complemente e equilibre o litoral urbano, industrial e poluidor. Tendo em conta as características e localização do País, só o forte crescimento da Agricultura de regadio poderá ajudar a esse desiderato, evitando a subsidiodependência e permitindo um desenvolvimento harmonioso do todo nacional.
De facto, o País detém, atualmente, cerca de 600.000 ha de regadio (7% da área total, que é de 8.900.000 ha) devendo-se apostar na sua duplicação a médio longo prazo, principalmente em regiões com elevada capacidade produtiva, como seja o Ribatejo, o Alentejo e o Algarve. Para tal, é preciso Água!
OS RECURSOS E OS USOS ACTUAIS E FUTUROS
Portugal dispõe, em média, de acordo com Plano Nacional da Água 2015, de 48.000 hm3/ano de águas superficiais (16.000 hm3/ano vindos de Espanha) e 8.000 hm3/ano de águas subterrâneas, num total de 56.000 hm3/ano, quantitativo que, a longo prazo, poderá reduzir-se, fruto das alterações climáticas, e no pior cenário (RCP8.5), em 30%, para 39.000 hm3/ano.
O País capta, em média, na Agricultura, Turismo, Indústria e Abastecimento Urbano, de acordo com o mesmo PNA2015, 4.500 hm3/ano, quantitativo que, a longo prazo poderá atingir, em resultado de diferentes fatores, incluindo as alterações climáticas no pior cenário do IPCC (RCP8.5), um máximo de 6.000 hm3/ano. Considerando um retorno global da ordem dos 25%, Portugal usa (captação – retorno) atualmente, cerca de 3.400 hm3/ano, valor que poderá atingir, a longo prazo, os 4.500 hm3/ano.
Ou seja, o País usa, atualmente, (3.400/56.000) = 6% da água disponível e, a longo prazo, poderá vir a usar (4.500/39.000) = 12% das disponibilidades totais de água ou, se Espanha “fechar a torneira”, (4.500/28.000) = 16% das disponibilidades nacionais.
Assim sendo, Portugal não tem, nem nunca terá, falta de água, que está é mal distribuída no Tempo – chove no Inverno e nos Anos Húmidos e é necessária no Verão e nos Anos Secos, o que implica a existência de barragens de armazenamento, e no Espaço – chove mais a Norte e é mais precisa a Sul, o que implica sistemas de transferência de caudais.
A análise do País a nível regional permite verificar que do Vale do Tejo para Norte não há falta de água, mesmo na lógica de aumento futuro da área regada, sendo no entanto necessário armazená-la de Inverno para a distribuir no Verão. Já para Sul, e querendo promover o aumento do regadio, será necessário reforçar os recursos locais (que incluirão, futuramente, as ApR e Água Dessalinizada) no Alentejo com um volume da ordem dos 700 hm3/ano e no Algarve com 100 hm3/ano.
A AUTOESTRADA DA ÁGUA
É sempre positiva a construção de barragens que aumentem a capacidade de armazenamento disponível, atualmente cerca de 13.000 hm3, mas as grandes Barragens já existentes no Tejo, Alentejo e Algarve, são suficientes para regularizar os caudais transferidos do Norte para o Sul.
Assim sendo, o que falta é um Sistema de Transferência de água do Norte para o Sul, criando uma AUTO-ESTRADA DA ÁGUA pelo interior do País, no eixo [Douro-Côa-Sabugal-Meimoa-Zêzere-Tejo-Nisa-Portalegre-Caia-Guadiana-Alqueva-Mertola-Pomarão-Algarve], salvaguardando as diferentes realidades arqueológicas, culturais, ambientais e agrícolas relevantes, incluindo o Parque do Côa.
Ligação Douro – Côa – Zêzere – Tejo – Caia –
Guadiana. Planta
Este Sistema, constituído por 5 Estações Elevatórias e 330 km de Canais, complementados por infraestruturas e equipamentos já existentes e não obrigando à construção de novas grandes barragens, permitirá transferir água das bacias excedentárias do Douro (500 hm3/ano, 3% das afluências médias) e Tejo (300 hm3/ano, 3% das afluências médias), para o Alentejo (700 milhões m3/ano) e Algarve (100 milhões m3/ano), cobrindo, a Sul, as falhas hídricas já atualmente existentes e que se tendem a agravar, podendo ser dividido em 3 subsistemas:
- Ligação Pocinho – Fratel, através das bacias dos rios Côa e Zêzere
- Ligação Fratel – Alqueva, Através das encostas do Alto Alentejo e transvase para a bacia do rio Caia.
- Ligação Alqueva – Odeleite, através do rio Guadiana e Bombagem a partir do Pomarão.
Ligação Douro – Côa – Zêzere – Tejo – Caia – Guadiana. Esquema altimétrico
A LIGAÇÃO ALQUEVA – ALGARVE
O Subsistema mais urgente é o da ligação Alqueva – Algarve, dada situação aflitiva em que este se encontra. Prevê-se a instalação duma estação elevatória no Guadiana, no sítio do Pomarão, preferencialmente associada a um pequeno açude que retenha a água doce vinda de montante, evite a água salobra de jusante, nomeadamente em resultado da bombagem excessiva de caudais do lado de Espanha, na EE de Boca Chança,
A EE do Pomarão terá um caudal de 8 m3/s, e uma altura de elevação de 70 m, permitindo abastecer um canal de encosta, que se desenvolverá ao longo de 35 km, até atingir a barragem de Odeleite, já no Algarve (note-se que, para este caudal, a solução em canal é mais económica do que a solução em conduta fechada e exige metade da energia de elevação).
Esta infraestrutura permitirá o transvase dum volume de água da ordem dos 100 hm3/ano, o que corresponde a perto de 40% dos consumos atuais, que rondam os 240 hm3/ano. O investimento poderá rondar os 60 M€.
A LIGAÇÃO TEJO – ALQUEVA
Naturalmente que a barragem do Alqueva não foi dimensionada para o abastecimento ao Algarve, nem para o reforço aos Regadios confinantes (Roxo, Sado, Vigía, Lucefecit, etc.) e outros, pelo que, a médio prazo, poderá não ter capacidade de resposta.
Nesta situação, avança o segundo Subsistema, a ligação Fratel- Alqueva, sendo de referir que, ao rio Tejo afluem, em média, perto de 13.000 hm3/ano de águas superficiais (cerca de metade vindos de Espanha), aos quais se somam perto de 2.000 hm3/ano de águas subterrâneas, num total de 15.000 hm3/ano. Os usos (captação – retorno) rondam os 1.000 hm3/ano, cerca de 7% das disponibilidades.
É nesta perspetiva que se considera perfeitamente viável o transvase, para o Guadiana, entre Outubro e Maio, de 300 hm3/ano (3% das afluências superficiais, 2% das disponibilidades totais), a somar aos 500 hm3/ano vindos da bacia do Douro, num total de 800 hm3/ano.
Esta solução Fratel – Alqueva recupera o Plano de Rega do Alto Alentejo, de 1950, que nunca avançou, e que incluía o abastecimento em alta duma série de pequenos regadios, como o Divor, Veiros, Minutos e o eventual futuro Pisão, mas com a alteração importante do canal se desenvolver acima da cota então prevista, 250 m, passando para a cota 300 m, o que permite o transvase gravítico para a barragem do Caia, já na bacia do Guadiana.
Assim, mantem-se a solução de instalação duma Estação Elevatória na albufeira do Fratel, mas agora com uma altura manométrica de elevação da ordem dos 230 m, elevando da cota 75 m, no Fratel, para a cota 300m, nas encostas do Alto Alentejo, a Norte de Niza.
O caudal rondará os 40 m3/s, da mesma ordem de grandeza do da Estação Elevatória dos Álamos, que eleva a água da barragem do Alqueva, no braço do Degébe, para a barragem dos Álamos, cabeça do subsistema de distribuição do Alqueva.
O canal a meia encosta desenvolve-se, então, por 115 km, ultrapassando, junto a Monforte, a cumeada que divide a bacia do Tejo da do Caia, afluente do Guadiana. Em Monforte, o canal poderá ter uma derivação para Sudoeste, permitindo alimentar todo o Alto Alentejo até Montemor-o-Novo, tal como previa o antigo Plano de Rega do Alto Alentejo.
Este sistema permitirá, como se afirmou anteriormente, o transvase dum volume de 800 hm3/ano, dos quais 700 hm3/ano destinados ao Alentejo e 100 hm3/ano a encaminhar para o Algarve. O investimento poderá rondar os 320 M€.
A LIGAÇÃO DOURO – TEJO
Como se viu anteriormente, a garantia de transvase, a médio/longo prazo, de 800 hm3/ano para o Alentejo e Algarve, implica a transferência de 500 hm3/ano da bacia do Douro, dos quais 150 a 200 hm3/ano corresponderão a escoamentos do rio Côa (escoamento anual médio da ordem dos 600 hm3/ano), aproveitando açudes já existentes, e o volume restante da barragem do Pocinho, em pleno Douro.
De referir que ao rio Douro afluem, em média, perto de 18.000 hm3/ano de águas superficiais (cerca de metade vindos de Espanha), e os usos (captação – retorno) rondam os 200 hm3/ano (cerca de 1% das disponibilidades superficiais), pelo que o transvase de 500 hm3/ano (3% das disponibilidades) não é significativo.
Assim, prevê-se a instalação duma Estação Elevatória na albufeira do Pocinho, junto à confluência do rio Seco, situada à cota 125 m, que eleve a água para um canal na encosta alta do rio Côa, com um caudal da ordem dos 25 m3/s.
A este canal, construído em “contra-declive” ao longo da encosta da margem direita do rio Côa, e que evita a interferência com o Parque do Côa, seguem-se mais 2 Canais associados a Estações Elevatórias, num total de 90 km, até atingir a barragem do Sabugal, construída nas cabeceiras da bacia do rio Côa, com a água à cota 790 m. A altura manométrica total de elevação nas 3 bombagens será da ordem dos 680 m.
Da barragem do Sabugal a água passa para a barragem da Meimoa, na ribeira do mesmo nome, afluente do rio Zêzere, bacia do Tejo, sendo turbinada na Central Hidroelétrica já existente, que deverá ser reforçada, juntamente com o túnel, para comportar maiores caudais.
A água segue, então, para o rio Zêzere, onde é turbinada nas Centrais Hidroelétricas das barragens do Cabril e da Bouça, afluindo depois à barragem de Castelo de Bode.
A ligação gravítica (sem bombagem) desta barragem ao Açude do Fratel, instalado no rio Tejo a montante da confluência do rio Zêzere, será conseguida mediante a construção dum canal de encosta ao longo da margem direita do rio Tejo, com um comprimento de 95 km e uma capacidade de 25 m3/s, permitindo a transferência dum volume de 500 hm3/ano. O investimento poderá rondar os 520 M€.
O PREÇO DA ÁGUA
O Investimento global neste sistema de adução “em alta” é da ordem dos 900.000.000 €. O custo da água posta no Alentejo e Algarve, rondará os 0,20 €/m3, dos quais cerca de 50% correspondentes a custos energéticos (que poderão ser cobertos por energia verde fotovoltaica), custo que compara com os mais de 0,70 €/m3 da água dessalinizada.
De notar que o valor da energia é relativamente reduzido pois a turbinagem dos caudais nas diferentes Centrais Hidroelétricas já existentes compensa, em parte, os gastos nas bombagens.
Terminando, somos um País rico em água, temos mais do dobro da água “per capita” do que os nossos vizinhos Espanhóis. É certo que as Alterações Climáticas estão a reduzir a sua disponibilidade, mas não se trata dum problema de escassez mas sim de menor abundância, como mostram os números anteriores.
Deixemo-nos de alarmismos, que nada resolvem, e passemos à implementação de soluções concretas, no terreno, criando uma REDE NACIONAL DA ÁGUA, que permita que todo o Pais tenha acesso à mesma, com a qualidade, quantidade e disponibilidade temporal necessária às diferentes atividades. O primeiro passo será a construção da AUTO-ESTRADA DA ÁGUA.
Jorge Avelar Froes
Engenheiro Agrónomo
Manuel Holstein Campilho
Grupo Lagoalva
Miguel Holstein Campilho
Grupo Lagoalva
O artigo foi publicado originalmente em AGRO.GES.