Nuno Maulide, diretor do Instituto de Química Orgânica da Universidade de Viena, Áustria, em entrevista à VISÃO
Nascido em Lisboa em 1979, filho de médicos, cursou Química no Instituto Superior Técnico por mero acaso. Queria ser pianista, mas a desilusão com o ensino da Música em Portugal empurrou-o para a Ciência. Nada de desconcordante. “A forma como lidamos com a Química Orgânica (por definição, a química dos compostos de carbono) é com base numa intuição que tem muito que ver com a arte. Mesmo a linguagem que usamos, de desenhar estruturas e fórmulas, tem muito de artístico”, refere. Tirou o mestrado em França e fez o doutoramento na Bélgica. Trabalhou nos Estados Unidos da América e na Alemanha, antes de se fixar na Áustria, onde é professor e diretor do Instituto de Química Orgânica da Universidade de Viena. Ali foi eleito Cientista do Ano, em 2018, pelo seu papel na divulgação da Ciência. O mesmo papel que o traz agora a Portugal, para lançar o livro Como se Transforma o Ar em Pão? (ed. Planeta), nas bancas a partir desta semana.
Afinal, o amor é ou não é química?
O amor e a atração são fenómenos químicos. Quando se vê o objeto amado, há uma descarga de certas moléculas sinalizadoras (serotonina, ocitocina…). O que ainda está por perceber é porque determinadas pessoas desencadeiam em nós essas reações. Em alguns animais, há claramente feromonas que são emitidas com o intuito de atrair. Há muitos insetos em que as feromonas são moléculas orgânicas voláteis que têm um ponto de ebulição muito baixo, ou seja facilmente passam do estado líquido ao estado gasoso. E esse é mesmo o objetivo, já que as feromonas não são para ficar em quem as produz. Nos seres humanos é que ainda não se conseguiram encontrar. Se as há, têm de ser mesmo moléculas muito voláteis, para poderem viajar grandes distâncias.
E também é a química que poderá prolongar a vida e atrasar o envelhecimento?
Sim. Lembro-me de um professor dizer lapidarmente: “O envelhecimento é oxidação.” Se pegássemos na quantidade de átomos de carbono que temos no nosso corpo e puséssemos esse carbono nesta atmosfera oxidante, em princípio devia dar-se uma reação de combustão espontânea. A nossa grande sorte é ser uma reação lenta. O envelhecimento é uma combustão lenta; as rugas são pedacinhos do nosso carbono que já foram; os antirrugas são cremes cheios de antioxidantes para tentar retardar a oxidação. Em vez de dizer “tu pões-me os cabelos brancos!”, poderíamos dizer “tu estás a oxidar-me!” [Risos.]
O que pensa quando ouve dizer “produto livre de químicos”?
Digo sempre que é uma frase com pouca informação. Não há nada livre de químicos, nem o ar que respiramos que é só químicos: azoto molecular e oxigénio. É preciso combater essa desinformação da comida sem químicos, roupa sem químicos… Depois dizem: “Mas há compostos químicos que são naturais…”. Sim, há compostos químicos naturais que nos podem matar e compostos químicos sintéticos que nos podem curar.
Como se o que é natural fosse inócuo e livre de efeitos tóxicos…
Exato. Não há nenhum composto químico que seja bom ou mau. Tudo depende do uso que lhe damos. Há pessoas que dizem: “Mas há de certeza compostos químicos que são apenas bons, por exemplo a água, somos 70% água.” Experimentem beber mais de quatro litros de água numa hora (ou melhor: não experimentem porque é perigoso!). Há um limite de água que se pode beber por hora, acima deste o organismo entra em colapso. O plástico é uma porcaria? A invenção do plástico é provavelmente a maior descoberta científica da Química do século XX. Que nós, seres humanos, não tenhamos usado o plástico da melhor forma, isso já é outra história – não pensámos no ciclo de vida dos produtos de plástico e só deitamos fora. Podíamos ter previsto logo que ia haver problemas. Mas dizer que as moléculas que constituem o plástico são moléculas más, isso eu não aceito. Outro exemplo: a nitroglicerina, que as pessoas associam logo a explosivos. A nitroglicerina é usada em Medicina, em pequenas doses, para controlar o ritmo cardíaco.
É tudo uma questão de dose.
Como dizia Paracelsus, “a dose faz o veneno”. A estricnina, por exemplo, um veneno bem conhecido da Humanidade, vem de fontes perfeitamente naturais – o nome da planta em latim diz tudo: Nux vomica. Há sapos na América Latina que segregam venenos tão potentes que os índios da Amazónia os apanhavam […]