Um a um, o presidente do Conselho Europeu vai recebendo, osculando, apertando a mão e ouvindo as preocupações dos líderes da Suécia, Portugal, Espanha, Áustria e Holanda. Charles Michel anda à procura de terreno comum, mas, em contagem decrescente para a cimeira de 20 de fevereiro, não há consenso à vista que permita fechar o próximo orçamento comunitário. E mesmo que todos concordem que há urgência num acordo, ninguém parece estar disponível a fazê-lo a qualquer preço.
“É melhor ir um pouco mais devagar e garantir um bom resultado”, afirmou esta quarta-feira o primeiro-ministro sueco, não se comprometendo com um entendimento dentro de duas semanas, na cimeira extraordinária. “Neste momento, as posições dos países estão muito afastadas”, diz Stefan Löfven, que esta quarta-feira de manhã se encontrou com Michel.
Só que, nesta altura, um bom acordo para Löfven não é necessariamente um bom acordo para António Costa. Os dois primeiros-ministros até pertencem à mesma família socialista, mas estão em barricadas diferentes no que toca à discussão sobre o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) para 2021 a 2027.
Enquanto o líder sueco não abandona a posição “frugal”, de defesa de um orçamento mais pequeno, Costa continua a defender um quadro financeiro ambicioso, com capacidade para financiar as novas prioridades – segurança, digital, ambiente – sem cortar nas velhas políticas de coesão e agricultura. Löfven não recua, Costa também não. São as posições negociais de quem não quer dar parte fraca ou ceder antes da batalha orçamental de 20 de fevereiro.
E, no braço-de-ferro, Costa responde que não há “posições extremas”, o que há é uma maioria “genericamente consensual” de 16 países que não querem cortes na política de coesão e na política agrícola comum e uma minoria que está a puxar pelo contrário.
“Portanto, eu espero que essa pequena minoria avance, tendo em conta que não pode ir contra a maioria, porque é assim a vida democrática”, disse o primeiro-ministro, no final de um encontro com o Presidente do Parlamento Europeu e antes de se reunir com o líder do Conselho Europeu.
Se o Orçamento Comunitário fosse decidido por maioria talvez não houvesse problema, mas, neste caso, a decisão terá de ser tomada por unanimidade. É preciso convencer os chamados “contribuintes líquidos” a abrir os cordões à bolsa, para um orçamento do qual também beneficiam, lembrando-lhes que mesmo que ponham mais dinheiro no bolo europeu do que aquele que lá vão buscar, no fim de contas também beneficiam do mercado único.
Mas a lógica dos frugais, a que fonte dos Amigos da Coesão chama “forretas”, é outra. Holanda, Dinamarca, Áustria, Alemanha e Suécia querem um orçamento que não vá além de 1% da riqueza europeia e defendem que, a haver cortes, não afetem as novas prioridades, mas que se apliquem à coesão e agricultura, que continuam a representar dois terços do orçamento comunitário.
Além do mais, rejeitam o fim dos “descontos” ou “rebates” na contribuição nacional anual para o QFP. Uma redução mais pequena, mas na mesma lógica daquela de que beneficiava o Reino Unido. “Os rebates são absolutamente necessários”, diz Löfven, argumentando que os “cinco países contribuem para 50% do orçamento líquido” em 2020 e que se se acabar com os descontos então essa percentagem será de “75%” em 2027.
Uma guerra de números e prioridades. Para os Amigos da Coesão, estão em causa verbas que continuam a ser fundamentais para garantir a convergência e o crescimento. Para os frugais, trata-se de dinheiro que terão de fazer sair dos cofres nacionais.
“Quem tem medo de derrotas não se pode pôr na politica”, diz António Costa, garantido que vai continuar a “lutar” pelo objetivo da coesão. Deverá contar com os 16 países que no sábado estiveram em Beja, mas também com o Parlamento Europeu. Os eurodeputados têm a última palavra na aprovação do orçamento comunitário. É certo que não entram na negociação de números, mas têm o poder de aprovar ou rejeitar o resultado final da negociação entre os 27 estados membros.
Parlamento disposto a negociar
Para José Manuel Fernandes, que acompanha as negociações pelo Parlamento Europeu, Costa deveria rejeitar “a proposta se tiver cortes” e “não esconder-se atrás” da possibilidade de o Parlamento Europeu poder chumbar uma má proposta. Mas mostra também flexibilidade para a negociação.
“Sabemos que no final não teremos 1,3% do Rendimento Nacional Bruto”, referindo-se à proposta que os eurodeputados aprovaram e que era bem mais ambiciosa – e não continha qualquer corte – do que os 1,11% da riqueza europeia propostos pela Comissão Europeia. O eurodeputado do PSD baixa, assim, as expectativas, mas não demasiado.
“Espero que, se existir uma proposta abaixo da Comissão no que diz respeito, por exemplo, aos envelopes para Portugal, o Governo diga imediatamente: nós rejeitamos essa proposta”, conclui.
Já Margarida Marques, do PS, considera que é preciso ter em conta as várias fileiras de negociação. “Numa negociação há muitas vezes alguns pilares que podem compensar outros e é essa análise global que o Governo tem que fazer”, diz a eurodeputada, que está também a acompanhar a negociações do QFP.
Marques dá um voto de confiança ao líder do seu partido. “O primeiro-ministro votará a favor, no momento em que perceber, penso eu, que o quadro é bom para a União Europeia para responder aos desafios nos próximos sete anos e que é bom para Portugal, dadas as prioridades políticas e as necessidades de financiamento do nosso país”, argumenta.
A esperança de um acordo a 20 de fevereiro é a última a morrer, mas fontes europeias dão conta de algum ceticismo sobre a obtenção de um acordo nessa semana, obrigando a novo encontro de líderes nas semanas seguintes.