A semana que hoje termina terá sido certamente uma das mais triunfais do Presidente Trump desde o início do seu segundo mandato, pelo menos em termos de perceção mediática (da opinião pública?), colocando um aparente ponto final na crise provocada pelo conflito entre Israel e o Irão, que punha em causa, para além do dossier nuclear, a estabilidade do abastecimento de petróleo e gás a partir do Estreito de Ormuz. A semana de Trump culminou com a Cimeira da NATO e com os compromissos assumidos em Haia, consubstanciados na Declaração final. Como sabemos, foi assumido um aumento na despesa dos aliados na economia da Defesa: de 5% do PIB até 2035, com uma avaliação em 2029, destes, 3,5% dos investimentos serão em defesa e os restantes 1,5% em segurança, com uma larga amplitude de “liberdade criativa” nas diferentes rúbricas.
Se a NATO tem cada vez mais uma interligação entre as componentes civil e militar e se a Alimentação é considerada um eixo importante na estratégia da defesa e segurança, numa altura em que discutimos questões como a armazenagem (conceito de stockpilling) ou os stocks de segurança, porque não incluir nos 1,5% dos gastos, por exemplo, infraestruturas críticas para atingir esses objetivos? E, assim, o agroalimentar poderia ser legitimamente considerado. Aqui fica a sugestão, em coerência com a dimensão estratégica da alimentação como pilar de segurança da NATO e da União Europeia (UE).
De facto, a instabilidade geopolítica, a proximidade da guerra na Ucrânia, as pressões (e ameaças) da Administração Trump, a necessária independência da UE face aos Estados Unidos da América (EUA), bem como a relevância de uma política transatlântica, catapultou a Defesa como grande prioridade da UE (atualmente apenas representa 1% do orçamento), no entanto, é preciso ter em atenção que esta não deve ser assumida como moeda de troca para outras áreas, designadamente para o orçamento da PAC, que deve ser robusto, tal como tem sido assumido pela generalidade dos Ministros da Agricultura dos Estados-membros e reivindicado pelas principais organizações agrícolas e agroalimentares, desde logo o COPA/COGECA.
Infelizmente, as discussões no quadro do EBAF não têm corrido como desejávamos, com avanços e recuos, desde logo pela “resistência” de muitas ONG, criando enormes entraves, quais “forças de bloqueio” à Visão para a Agricultura e Alimentação que temos defendido. De tal forma pode estar em causa o futuro da PAC que o COPA/COGECA lançou uma petição, disponível a todos para subscrição, pelo reforço do orçamento agrícola e, consequentemente, da visão e ambições que ele consubstancia para o setor a nível europeu.
Ninguém pode ficar de fora desta discussão. A segurança europeia começa com a segurança alimentar.
Se no pós-Cimeira da NATO consideramos (e bem) que os investimentos na área militar, face às ameaças, desde logo nos países bálticos, é uma questão de solidariedade europeia, então como é possível desinvestir na Política Agrícola no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual? Há que exigir agora uma coerência nos discursos e mensagens políticas, não uma resignação.
Aliás, num ambiente de tensão mundial decorrente da denominada “guerra dos doze dias”, teve lugar o Conselho Agrícola, dedicado a dois dos temas que mais impactam a segurança alimentar: os acordos comerciais (também com a Ucrânia) e desafios dos mercados globais, e a simplificação burocrática. Uma vez mais, saiu deste Conselho o reforço da necessidade de dispormos de um orçamento forte e específico para a PAC, flexibilidade, melhoria na adoção de instrumentos para a gestão de crises e riscos e celeridade na adoção e implementação das medidas.
Tudo isto nos leva à questão central: o que ganhámos com o compromisso da Cimeira de Haia? A simpatia do Presidente Trump na aplicação das tarifas, ou mais ameaças e pressões como vimos relativamente a Espanha? Vamos esperar pelo início de julho, sobretudo por novos desenvolvimentos nos próximos dias, mas não é de prever que os dossiers possam estar assim tão interligados. O recente acordo com o Reino Unido pode dar-nos a esperança de que algo semelhante aconteça com a UE, mas a Administração norte-americana pauta-se por uma enorme imprevisibilidade, pelo que tudo está em aberto, inclusive as retaliações prometidas pela Presidente da Comissão.
Voltamos, ainda, à questão da simplificação porque ela implica olhar para o dossier da desflorestação e para a implementação do EUDR que corre o risco de ser adiada por mais um ano porque a Comissão Europeia não responde às necessidades dos operadores e as Administrações dos Estados-membros, tal como dos países exportadores, não estão preparadas. Entretanto, a seis meses da nova data, parece que estamos pior do que há um ano e, por exemplo, as compras de soja para 2026 estão praticamente bloqueadas perante uma enorme incerteza jurídica. E, como sabemos, o EUDR respeita, para além da soja, a outros produtos de inegável importância para o mercado mundial: palma, café, bovinos, madeira, cacau e borracha.
Num estudo de impacto conjunto da eventual aplicação das tarifas e da implementação do EUDR apresentado pela FEFAC às instituições europeias, as conclusões são relativamente evidentes: num cenário de ausência de simplificação significativa e operacional do EUDR, conjugada com a aplicação de direitos aduaneiros de 25 % da UE sobre a soja e derivados, os setores europeus dos alimentos para animais e da pecuária poderão enfrentar um sério risco de perturbação do comércio nas principais origens e terão custos adicionais substanciais com o aprovisionamento de produtos essenciais de soja (a UE necessita de importar anualmente entre 30 e 35 milhões de tons) superiores a 3 mil milhões de euros para 2026. Tal situação ameaçaria a segurança alimentar da UE no que respeita ao aprovisionamento de proteínas essenciais, comprometendo simultaneamente o objetivo político declarado da UE de aumentar a competitividade do setor pecuário, tal como estabelecido na nova vertente de trabalho da UE sobre a estratégia pecuária, como parte da “Nova Visão sobre Agricultura e Alimentação”.
Como já aflorámos acima, relativamente a este tema, temos, ainda, as chamadas “forças de bloqueio”, como as ONG que numa carta aberta se opõem a qualquer tentativa de simplificação, sem cuidar de que podemos caminhar para o abismo.
Posto isto, o que também devemos discutir, depois de em 2013 se ter procedido a uma alteração na estrutura dos órgãos de consulta da Comissão Europeia para que tivesse em conta a configuração da então sociedade civil, é se passados todos estes anos, não estaremos perante uma nova composição das organizações que definem a sociedade civil, sendo urgentes novas alterações.
Se não o fizermos, da mesma forma, legítima e democrática, continuarão a existir ameaças e bloqueios.
Afinal, a Alimentação é ou não um dos pilares da Defesa e da Segurança da União Europeia?
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA