Semeie a unidade, cultive a solidariedade e colha a soberania alimentar!
A transformação sistémica é agora e para sempre!
Bagnolet: 16 de Outubro, Dia Internacional de Acção pela Soberania Alimentar dos Povos e contra as Corporações Transnacionais, num momento em que a humanidade enfrenta uma profunda crise sistémica, nós da La Via Campesina — unindo camponeses, comunidades rurais, pequenos agricultores, povos indígenas, pastores, trabalhadores migrantes, mulheres, jovens e diversas identidades rurais — mantemos a nossa convicção de que os valores da Soberania Alimentar são essenciais para a mudança de que precisamos.
Por isso, lançamos este apelo global à acção: vamos fortalecer e expandir a nossa mobilização colectiva pela soberania alimentar como força motriz para uma verdadeira transformação sistémica.
Chega de hipocrisia! Acabem com a fome!
A fome que afecta milhões de pessoas nunca deve ser normalizada — é uma violação de um direito humano básico e, portanto, um crime. A maior parte da fome é causada pelo homem, e as causas são claras. As guerras e conflitos recentes na região Árabe e na África Subsaariana são exemplos gritantes.
Em 2024, mais de 638 milhões de pessoas — mais de 8% da população global — sofreram fome. De acordo com o último relatório sobre o Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo, esta crise foi impulsionada em grande parte pela inflação e pela instabilidade económica. Dados adicionais confirmam que os conflitos são a principal causa da insegurança alimentar aguda para cerca de 140 milhões de pessoas em 20 países e territórios.
Conflitos, guerras e genocídios continuam a agravar a crise alimentar global. Hoje, a fome está a devastar países e territórios como o Sudão, a Faixa de Gaza, o Sudão do Sul, o Haiti, o Mali, a Líbia e outros. Nas últimas décadas, os conflitos armados em todo o mundo revelaram uma tendência preocupante: a fome já não é apenas um subproduto da guerra — tornou-se cada vez mais uma arma deliberada de dominação.
Um dos exemplos mais evidentes e urgentes disso é a Palestina, particularmente o cerco contínuo à Faixa de Gaza. Desde Outubro de 2023, mais de 2,3 milhões de pessoas em Gaza estão sujeitas a um bloqueio total que lhes nega sistematicamente o acesso a alimentos, água potável, combustível e ajuda humanitária. Quando se trata da militarização dos alimentos, Gaza não é um caso isolado. Táticas semelhantes têm sido utilizadas no Iémen, na Etiópia, no Sudão e noutros lugares, com o objectivo de quebrar a resistência civil e exercer controlo sobre as populações. Mulheres e crianças são desproporcionalmente afectadas por esta estratégia de fome e uso de alimentos como arma.
África continua a enfrentar as taxas mais elevadas de desnutrição e insegurança alimentar, com muitos países da América Latina e da Ásia a seguirem uma trajectória semelhante. A crise ambiental agrava estas questões, enquanto comunidades inteiras enfrentam despejos violentos em países como a Turquia, o Chile, o Equador, o Panamá e o Brasil. Em Cuba, o bloqueio criminoso do governo dos EUA afecta gravemente o sistema alimentar nacional, aprofundando ainda mais a insegurança alimentar.
O aumento dos preços dos alimentos saudáveis e dos produtos básicos agora ameaça a subsistência de milhões de pessoas, mesmo em países que são totalmente capazes de se alimentar. Como camponeses que alimentam as nossas comunidades, exigimos políticas públicas e orçamentos fortes e claros que apoiem os sistemas alimentares locais, fortaleçam os nossos meios de produção e garantam preços justos.
As nossas campanhas globais exigem paz, distribuição equitativa da terra e o fim do genocídio e da guerra. Apelamos à justiça que traga paz duradoura aos nossos territórios e garanta a soberania e a segurança alimentares. Os autores destes crimes devem ser responsabilizados. Chega de cumplicidade. Chega de hipocrisia governamental!
Soberania alimentar para uma transformação sistémica
A soberania alimentar fortalece as economias locais e nacionais, empoderando camponeses, povos indígenas e comunidades trabalhadoras. Promove, ainda, a justiça social, a dignidade e a igualdade. Em Setembro, a La Via Campesina declarou que um novo quadro comercial global não é apenas necessário — é urgente.
Apelamos aos governos e às instituições internacionais para que abandonem os modelos falhados da Organização Mundial do Comércio (OMC) e adoptem um quadro comercial alternativo baseado na soberania alimentar. Esta nova abordagem deve respeitar e defender plenamente os direitos individuais e colectivos consagrados na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham nas Zonas Rurais (UNDROP), na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP) e noutros instrumentos internacionais de direitos humanos.
Continuaremos a realizar mobilizações globais e a confrontar as instituições multilaterais com exigências de mudanças sistémicas e rejeição de falsas soluções. Em Dezembro, estaremos em Belém do Pará, Brasil, para participar na Cimeira dos Povos no contexto da COP30, a fim de exigir justiça climática real. Em 2026, participaremos também na Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural (ICARRD+20) na Colômbia, onde continuaremos a pressionar por uma Reforma Agrária Abrangente e Popular que apoie as lutas locais em defesa da terra, dos territórios e dos bens comuns.
A agroecologia camponesa está no centro da nossa luta. Com as suas raízes profundas no conhecimento ancestral, esta oferece à humanidade um caminho a seguir — um caminho que nos reconecta com a terra e com os ciclos da vida. Apelamos a uma acção genuína, liderada pelas bases, tanto em espaços rurais como urbanos, para promover e defender a agroecologia na sua forma mais verdadeira.
Não queremos um agronegócio com uma máscara verde. Queremos uma transformação real — construída a partir da base.
A transformação sistémica é agora e para sempre!
Após mais de 30 anos de luta camponesa, o nosso movimento enfrenta enormes desafios ao lado de outros movimentos sociais. Em Setembro, reunimo-nos no Sri Lanka com outros movimentos pela Soberania Alimentar no 3.º Fórum Global Nyéleni, apelando à unidade para a transformação sistémica. Estamos unidos em solidariedade para oferecer aos nossos povos uma visão clara e determinada para defender a vida e transformar o nosso sistema em crise.
Apelamos às organizações membros, aliados, movimentos de base, sindicatos, estudantes, redes de apoio mútuo, escolas e todos os coletivos para amplificar este apelo.
Vamos tecer redes de sistemas alimentares saudáveis, conscientes e soberanos. Juntos, podemos alcançar uma verdadeira transformação sistémica.
O artigo foi publicado originalmente em CNA.